O retrato “frio e cru” de Fajão, uma Terra Ardida que venceu o Prémio Sophia Estudante

Francisco Romão viajou até Fajão, em Pampilhosa da Serra, para filmar a Terra Ardida pelo incêndio que devastou a aldeia em Outubro de 2017. O documentário valeu-lhe o Prémio Sophia Estudante, de cinco mil euros, e o terceiro lugar na categoria Documentário do mesmo concurso.

Era Dezembro de 2017 e “ainda se sentia o cheiro” dos incêndios que tinham devastado Fajão três meses antes. À medida que o carro se aproximava da aldeia, Francisco Romão não encontrava os locais que sempre viu “verdes e bonitos”. Pelo contrário: “Não havia nada verde, estava tudo queimado”, afirma. De câmara em punho, chegava à terra da avó para fazer um retrato em forma de documentário e mostrar “uma das tantas aldeias que tinham ardido” em Portugal.

O filme foi realizado em âmbito académico, na Escola de Tecnologias Inovação e Criação, em Lisboa, e a única condicionante da proposta era “ser um retrato”. Ao invés de se concentrar em apenas uma pessoa, o realizador quis fazer da aldeia a protagonista. Durante três dias esteve em Pampilhosa da Serra para ouvir e registar o que “as pessoas que lá viviam e haviam passado pela devastação dos fogos” tinham para dizer. E assim nasceu Terra Ardida, o documentário vencedor do Prémio Sophia Estudante de 2019, da Academia Portuguesa de Cinema. A cerimónia de entrega aconteceu no último domingo, 24 de Março.

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Imagens cinzentas e cruas, depoimentos ainda mais. “Nenhuma das pessoas queria ser filmada e era complicado começar uma conversa. Falavam só umas palavrinhas, não desabafavam a sério”, conta Francisco. As imagens mostram o quão quente ainda estava aquela terra ardida — e as memórias dos habitantes. Entre a destruição das casas, as árvores despidas e secas, os intervenientes vão contando o que aconteceu na noite de 15 de Outubro de 2016.

“Chovia fogo”, relata uma das aldeãs, que conta também como uma amiga partiu os pulsos, depois de um esquentador explodir à sua frente. Esta foi uma das histórias que mais marcou o jovem realizador: “Não havia comunicação e não podiam entrar carros na aldeia. A senhora ficou com os pulsos partidos e não podia ser socorrida.”

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Francisco Romão, 23 anos DR

Pela primeira vez a trabalhar no género documental, Francisco teve que se adaptar “aos depoimentos a frio, sem preparação, sem pedir às pessoas para sentar, sem as maquilhar”. E teve que aprender a lidar com o que encontrou: ainda que tivesse uma ideia do que queria fazer, quando lá chegou, encontrou pessoas que “choravam a contar histórias” que o deixavam “devastado”. A experiência foi vivida “muito a nível pessoal”, pela ligação à aldeia e aos aldeões.

Uma das preocupações que teve foi “respeitar a dor das pessoas”. Procurou, para isso, evitar a utilização de imagens invasivas. “Eu tinha a imagem do senhor que chora, tinha essa imagem directamente para a câmara. Por respeito não pus, cortei para outras imagens”, refere. O senhor a que se refere, um “primo afastado”, é protagonista de um dos depoimentos mais intensos do documentário: “Nunca imaginei uma coisa daquelas na minha vida. Nem nunca pensei que estivesse alguém vivo em Fajão. Nunca, nunca, nunca”, diz, entre soluços.

“Não inventei uma história. Retratei uma coisa que aconteceu e vai estar na história de Portugal para sempre”, afirma Francisco. E o retrato, que já lhe tinha valido o terceiro lugar na categoria Documentário, atribuído em 2018, conseguiu agora o Prémio Sophia Estudante, no valor de cinco mil euros. “É bom saber que reconheceram o nosso trabalho e dedicação. Como fizemos o filme com o coração, o sentimento é outro.”

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Com o prémio monetário, com o qual “não estava a contar”, quer “investir num próximo filme” — talvez volte a Fajão para documentar a situação da aldeia um ano e meio após a tragédia. Mas já sabe o destino de mil euros: “Repartir entre a Junta de Freguesia de Fajão, o Projecto Adro e os escuteiros de Mafra — grupos que ajudaram a reconstruir a aldeia.” Um “agradecimento”.

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