A endogamia no Governo exige uma discussão séria

O caso é de tal forma revelador das debilidades do regime, dos partidos e dos quadros políticos que discuti-lo se torna obrigatório doa a quem doer – neste caso ao PS e ao Governo.

Percebe-se que o primeiro-ministro tente esvaziar a polémica que cola ao PS e ao Governo o anátema das organizações meio dinásticas, meio nepotistas. E percebe-se também que o faça recorrendo à ideia segundo a qual a existência de marido e mulher e filhos no seio do Governo não deu origem a escândalos de favorecimento.

Percebe-se isso tudo numa lógica de defesa política, mas não se aceita que a polémica levantada com a nomeação de Mariana Vieira da Silva se transforme numa querela mesquinha como as que tantas vezes inquinam a política em Portugal. O caso é de tal forma revelador das debilidades do regime, dos partidos e dos quadros políticos que discuti-lo se torna obrigatório doa a quem doer – neste caso ao PS e ao Governo.

E para que a discussão seja útil não vale o argumento de que outros que não o PS já seguiram vícios como os que maculam hoje o partido do Governo. Nem cair na demagogia de citar exemplos que usam a passagem de um patriarca pelo Governo nos anos de 1980, como Carlos Mota Pinto, para se insurgirem contra a presença contemporânea do filho no PSD. Ou até vituperar um secretário de Estado ou um ministro pelo facto de a sua mulher trabalhar numa qualquer organização da esfera pública.

O que é indispensável é notar que o Governo caiu nas teias da endogamia. Que um partido como o PS se sustenta numa teia de relações desenhada num espaço fechado, como bem notou João Miguel Tavares – e que o PSD perdeu a sua velha competência para recrutar o que de melhor havia nas empresas ou na academia. E, como se notou aqui no editorial de quarta-feira, que essa endogamia leva a um ensimesmamento nocivo para a qualidade da vida pública.

Não se espera que António Costa demita um ou dois ministros ou despeça dois ou três altos funcionários para se livrar de um dos seus piores pesadelos para as eleições que aí vêm. Mas importa deixar escrito que situações como a actual não se podem repetir. É crucial para a qualidade da governação e da democracia que os partidos se abram a gente nova e às novas formas de ver e sentir a sociedade.

António Costa não o pode dizer, mas o país pode e deve: uma República decente dispensa uma corte de amigos e familiares e um país democrático recusa um Conselho de Ministros onde as emoções maritais ou filiais coexistem pari passu com a racionalidade que se exige à boa governação.

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