Por mais flexibilidade que exista, a avaliação tem de ter efeitos para os alunos

O projecto de autonomia e flexibilidade curricular esteve em debate nesta quarta-feira. Duas ideias-chave: a avaliação é para valer e as novas oportunidades agora criadas devem incidir sobretudo sobre o modo como decorrem as aulas.

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Projecto de flexibilidade começou este ano a ser aplicado em todas as escolas PAULO PIMENTA

O projecto de autonomia e flexibilidade curricular, que este ano está já a ser aplicado em todas as escolas, “morrerá na praia se não houver consequências da avaliação” feita aos alunos. Esta é a convicção da professora da Universidade do Porto, Ariana Cosme, que tem sido a principal consultora do Ministério da Educação neste projecto lançado em 2017/2018, que tem na base dar às escolas a possibilidade de organizarem o currículo e o modo como ensinam em função das suas características e do meio em que se inserem.

Falando numa conferência promovida nesta quarta-feira pela Fundação Belmiro de Azevedo com o tema Estão as escolas preparadas para a autonomia e a flexibilidade curricular, Ariana Cosme frisou que este é um projecto “criado para ajudar os alunos a aprender melhor” e que como tal não poderá ser compatível “com pautas recheadas de más notas”.

A professora da Universidade do Porto respondia assim a dúvidas levantadas por docentes presentes na sessão sobre se a avaliação tradicional não acabará por “atrapalhar” a possibilidade de os professores darem as suas aulas de modo diferente e também sobre o modo como esta avaliação deverá ser feita em áreas como a Cidadania e Desenvolvimento, que se pretende seja transversal a várias disciplinas.

Antes, o presidente da Associação Nacional de Directores e Agrupamentos de Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, tinha já apontado que a conciliação do novo projecto com a realização dos exames nacionais foi um dos principais constrangimentos apontados pelas escolas, no que respeita à sua aplicação no ensino secundário. “Por causa do modelo de acesso ao ensino superior, as escolas continuam refém dos exames e isso é muito redutor”, frisou.

O professor da Universidade de Lisboa João Barroso, que esteve na base do novo projecto de autonomia das escolas aprovado em 1998, lembrou a este respeito o que o próprio responsável da divisão de Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Andreas Schleicher, admitiu no ano passado em Lisboa que o “pior” do sistema de ensino português eram os exames.

 “Toda a gente diz mal dos exames, mas ninguém consegue viver sem eles”, comentou este investigador, adiantando que a este respeito a administração educativa está a “dar com uma mão e a tirar com a outra”. Só que, alertou, “os exames só acabarão quando existirem condições nas escolas para se avaliar os alunos de outra maneira”.

E por falar de avaliação, Ariana Cosme deu conta de alguns resultados a que já chegou com o estudo avaliativo do primeiro ano do programa de flexibilidade curricular, em forma de projecto-piloto em que enfileiraram 235 escolas. “Há territórios e escolas que vão precisar de mais apoios do que outras”, disse a propósito das dificuldades que têm sido reveladas.

Há também um “grande desafio” que está colocado aos professores e que se prende com a sala de aula, adiantou. “Falei com muitos alunos e há um ponto comum que é o de gostarem da escola e dos seus professores. O problema é que não gostam das aulas”, descreveu. Porquê? “Dizem que eles [os professores] falam o tempo inteiro”.

Face a este estado das coisas, Ariana Cosme não tem dúvidas de que a oportunidade de flexibilidade curricular dada com o novo programa “tem de incidir sobretudo sobre as aulas”. Sendo que para já foi criada esta “grande oportunidade: as escolas estão autorizadas a pensar”.

Filinto Lima alertou que não existem garantias de que este seja um trabalho para durar já que cada novo Governo que toma posse tem por hábito mudar a educação. E apelou por isso, de novo, à necessidade de um “pacto alargado em torno do currículo e da avaliação externa dos alunos”.

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