Passes low cost: uma revolução que se fez à esquerda

É preciso não ter ilusões: a redução do preço dos passes só será uma boa medida com investimento nas infra-estruturas de transportes.

Em abril dá-se uma revolução na mobilidade em Lisboa. A redução do preço dos passes para 30€ no concelho de Lisboa e para 40€ na área metropolitana significa uma redução, por vezes, para metade do preço dos transportes públicos. O passe para toda a família tem um impacto ainda maior, porque a partir de junho as famílias não pagam mais de 80€ para viajar nos 18 concelhos da área metropolitana de Lisboa.

Esta é uma medida de fundo. O novo sistema é mais barato, mais simples e amigo do ambiente. A poupança para as famílias pode chegar aos 300€ mensais. São mais de 700 tipos de bilhetes que são substituídos por um bilhete único. Reduz-se a utilização do automóvel, contribuindo para a redução das emissões poluentes.

Toda a esquerda apoiou a medida e a reivindicou justamente. A redução do preço dos passes estava nos programas de PS, Bloco de Esquerda e PCP desde há muito. Aliás, no acordo entre o PS e o Bloco de Esquerda para a Câmara Municipal de Lisboa podia ler-se: “Ambos os partidos concordaram em, junto do Governo, pugnar por tarifários reduzidos na Área Metropolitana de Lisboa.”

Do outro lado temos PSD e CDS que nunca apoiaram a medida; aliás só a esquerda a aprovou na Assembleia da República. Rui Rio, não percebendo o alcance da medida, veio dizer que era eleitoralista e que discriminava o resto do país. Já Assunção Cristas exigiu a redução do imposto sobre produtos petrolíferos, o imposto que permite financiar a redução do preço dos passes.

A direita sempre foi contra transportes públicos. Em 2015 o Governo PSD-CDS desinvestiu na oferta pública do Metro, da Carris e da CP, subiu o preço dos passes e preparou as empresas de transportes para serem privatizadas. Sérgio Monteiro, o secretário de Estado dos Transportes de então, que depois foi contratado por meio milhão de euros para vender o Novo Banco, chegou a confirmar que o grupo espanhol Avanza ia ficar com o Metro e com a Carris, numa tentativa de as vender mesmo no final da legislatura.

Mas é preciso não ter ilusões: a redução do preço dos passes só será uma boa medida com investimento nas infra-estruturas de transportes. Em Lisboa, tal como consagrado no acordo entre PS e Bloco, a autarquia está a fazer a sua parte com o maior investimento das últimas décadas na Carris: já estão a circular 40 dos 250 autocarros contratados, houve um reforço dos motoristas, foi reaberto o elétrico 24 (Cais do Sodré-Campolide) e houve um aumento das carreiras. Infelizmente, o investimento do governo no Metro tem sido muito mais tímido e não se conhece investimento na CP.

Há ainda outra nuvem negra sobre esta aposta nos transportes públicos, a chantagem das empresas de transportes. O líder da Barraqueiro e presidente da Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Pesados de Passageiros já veio fazer avisos ao Governo. Mas, tal como na questão dos contratos de associação dos colégios privados, não se percebe como se mantém indemnizações compensatórias milionárias a privados por um serviço de péssima qualidade para as populações, quando as empresas públicas – veja-se o exemplo da Carris – já provaram que com boa gestão podem responder melhor às populações.

Para serem alternativa ao automóvel os transportes públicos têm de ser baratos, fiáveis e cómodos. Por isso, se o Governo não avança com os investimentos necessários, a redução do valor dos passes poderá ser uma desilusão, porque o previsível aumento de passageiros pode ser a gota que faz transbordar o copo.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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