“Happy” é a nova colecção sem género da Zippy. Algumas reacções foram menos felizes

A marca de roupa infantil lançou em Março uma colecção cápsula unissexo. Para algumas pessoas foi motivo para anunciarem, nas redes sociais, um boicote à marca, acusando-a de estar a promover ideologias.

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A marca infantil Zippy [que pertence à Sonae, grupo proprietário do PÚBLICO] lançou recentemente uma colecção de roupa para criança sem género — ou seja, com peças que podem ser utilizadas de forma indiferenciada por rapazes e raparigas. Chamou-lhe Happy, mas nem todas as reacções que recebeu do público foram as mais felizes.

Segundo a marca, a colecção foi lançada com o objectivo de “celebrar a individualidade e liberdade de expressão de cada um”. “Nasce da necessidade da Zippy quebrar barreiras e estereótipos, com uma colecção cheia de cor”, lê-se ainda no comunicado de lançamento da colecção, direccionada para crianças entre os 3 e 14 anos.

Na publicação partilhada pela Zippy no Facebook (actualmente com mais de 300 comentários), várias pessoas vieram expressar o seu descontentamento, acusando a marca de ter uma agenda ideológica e anunciando um boicote à mesma — algumas delas utilizando o hashtag #DeixemAsCriançasemPaz. Já à partida a marca sabia que o lançamento desta colecção poderia suscitar diferentes reacções por parte do público. “Sendo Portugal um país de raízes muito tradicionais, foi neste mesmo país que decidimos fazer a experiência”, comentou Filipa Bello, Brand & Creative director da marca à revista Marketeer, no início do mês.

No Facebook da Zippy lêem-se comentários contra a iniciativa da marca. Como por exemplo: “Como não pactuo com a agenda ideológica, a Zippy acaba de perder uma cliente assídua, com vários filhos. Não voltarei a fazer compras nesta loja” (Joana Bento Rodrigues). “Não sei qual foi a intenção desta campanha, ainda, para mais nesta altura, onde não se fala de outra coisa. Terá sido intencional? Ou um infeliz acaso? Independentemente, de sim ou não, Zippy neste momento está fora das minhas escolhas para os meus filhos”, afirma outro utilizador (Jorge Cruzinha).

Houve também quem demonstrasse apoio. “É difícil e desconfortável, mas o caminho certo é mesmo assim”, apontou uma utilizadora (Rita Tomás). “Só é pena que os que estão aqui a reclamar não percebam que não há aqui imposições nenhumas, ao contrário das posições que leio aqui”, escreveu outra (Bárbara Aquarela Barreira).

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Em resposta às reacções que entretanto se têm vindo a acumular no Facebook, a marca afirma, num comunicado enviado quarta-feira ao PÚBLICO que “a colecção Happy não tem qualquer associação a ideologias ou movimentos, sejam eles quais forem”. Esclareceu ainda que se trata de uma colecção cápsula com peças unissexo “que podem ser usadas tanto por meninos como por meninas”.

A moda e o género

No mundo da moda são cada vez mais os criadores que se libertam das definições de género nas suas criações. Já no que toca à roupa infantil, há algumas marcas a dar passos nesta direcção. A marca britânica John Lewis, por exemplo, deixou de usar em 2017 as divisões de género (rapaz e rapariga) nas suas colecções. Outras mais pequenas, como a Tootsa e a Claude & Co, foram já fundadas com este princípio.

A socióloga Cristina L. Duarte, autora de livros como Moda e Feminismos em Portugal — O Género como Espartilho, aponta para o passado, lembrando que nem sempre a roupa teve género. E sublinha que a evolução tem sido no sentido da adaptação da roupa ao género. Mesmo no último século, é possível identificar períodos em que se popularizou o vestuário unissexo: nos anos 1970, por exemplo, em parte por influência de subculturas como o movimento hippie, e nos anos 1990, com a expressão da androginia nas passerelles e nas produções de moda.

Quanto à polémica instalada à volta da colecção da Zippy, confessa ter sentido alguma perplexidade pela “turbulência” que gerou. “O que é que está a ser posto em causa? O que é que é tão ameaçador?”, questiona.

“Ninguém está a impor nada a ninguém”, defende, acrescentando que o gosto é incutido aos filhos pelos pais, numa primeira fase da vida, bem como influenciado pelos colegas. “A socialização que acontece com o vestuário está dentro do processo de educação”, explica.

Para a autora, não há inerentemente algo que vá contra a igualdade de género na divisão das colecções por género. Segundo a mesma, trata-se de uma proposta de um criador, tendo em conta noções de “feminilidade ou masculinidade”. Neste aspecto, continua, “tudo bem”, desde que não seja “tóxico”. E isso depende de muitos factores, inclusive da própria interpretação que as pessoas fazem dessas mesmas colecções e da sua ligação ao género.

Tendo em conta a fisionomia das crianças, há menos factores que justifiquem uma divisão entre género, em comparação à da roupa para adultos, comenta ainda Cristina L. Duarte. Deixa também um ponto assente: “temos de ver o género como socialmente e culturalmente construído”.

Notícia actualizada às 19h20. Foram acrescentadas declarações de Cristina L. Duarte.

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