A polémica do anel do Papa Francisco pode não ser bem o que parece

Francisco afastou a mão quando alguns fiéis tentavam saudá-lo com um beijo no Anel do Pescador. A ala conservadora da Igreja Católica critica o comportamento, mas o motivo pode ter sido meramente prático.

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YARA NARDI/Reuters

O Vaticano enfrenta esta semana uma nova polémica, desta vez em torno do Papa Francisco e dos beijos no seu anel. Num vídeo gravado esta segunda-feira durante uma visita ao santuário de Loreto –​ e que rapidamente se espalhou pelas redes sociais –​ o Papa é visto a afastar repetidamente a mão quando os fiéis tentam beijar o anel que usa na mão direita.

​Também conhecido como Anel do Pescador, este acessório simboliza o poder pontifício. Cada Papa possui um anel único, que é depois destruído quando morre.

O cumprimento tem história. Ao longo de vários séculos, era comum os fiéis beijarem o pé do Papa como forma de saudação. Mais tarde, tornou-se um hábito fazer uma vénia e beijar o anel, um gesto com significado não só religioso mas também político. Em 1963, por exemplo, o Presidente norte-americano John F. Kennedy optou por não beijar o anel do Papa Paulo VI para mostrar que, apesar de ter sido o primeiro Presidente católico dos EUA, não era necessariamente subserviente à Santa Sé.

Mas desta vez foi o Papa Francisco a recusar que lhe beijassem o anel, com a ala mais conservadora da Igreja Católica a aproveitar a ocasião para mais uma vez acusar o Sumo Pontífice de querer acabar com mais uma tradição religiosa. No Twitter, os responsáveis pela página Rorate Caeli​ criticaram rapidamente a postura do Papa: “Francisco, se não quer ser o vigário de Cristo, então saia”.

Austen Ivereigh, autor da biografia Francisco, o Grande Reformador: Os Caminhos de um Papa Radical, recorreu à mesma rede social para explicar que o líder da Igreja Católica “está a certificar-se que eles [fiéis] criam laços consigo e que não o tratam como uma relíquia sagrada”. “Ele é o vigário de Cristo, não um imperador romano”, acrescentou.

Saudações de 113 pessoas durante 13 minutos

Já James Reynolds, correspondente da BBC em Roma, defende uma teoria diferente. Segundo o jornalista, o vídeo que circula nas redes sociais foi editado e corresponde apenas a uma pequena parte de uma audiência que foi bastante mais demorada.

Depois de analisar as imagens oficiais divulgadas pelo canal televisivo do Vaticano, Reynolds explica que o Francisco esteve durante 13 minutos a ser saudado por cerca de 113 monges, freiras e paroquianos. Nos primeiros dez minutos, 14 pessoas decidiram apenas cumprimentar o Papa com um aperto de mão, enquanto 41 outras se baixaram para beijar tanto a mão como o anel, sem qualquer protesto da parte do líder da Igreja Católica.

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O Papa Francisco de visita a um santuário em Loreto (Itália) VATICAN MEDIA/EPA

Terá sido após os primeiros dez minutos que o comportamento do Papa mudou. Durante os 53 segundos que se seguiram (a parte que aparece no vídeo partilhado nas redes sociais), Francisco afastou a sua mão de 19 pessoas que o tentavam saudar, um gesto que teria como objectivo acelerar o processo, visto que, posteriormente, o Papa se dirigiu ainda para cumprimentar outras pessoas que se encontravam no santuário (algumas das quais em cadeira de rodas).

Católicos citados pela agência Reuters assinalam ainda que os seus predecessores, os Papas Bento XVI e João Paulo II, também não gostavam que as suas mãos fossem beijadas.

Reynolds explica ainda que Francisco está consciente do significado que o gesto tem, dando como exemplo a visita que o Papa fez a Jerusalém, em Maio de 2014, quando a mais alta figura do Vaticano tentou beijar a mão do líder ​da Igreja Ortodoxa, Bartolomeu I de Constantinopla, como um sinal de reconciliação entre as duas igrejas cristãs. Durante a mesma viagem, de visita ao memorial Yad Vashem, o Papa Francisco inverteu papéis e beijou as mãos de sobreviventes do Holocausto, um acto que surpreendeu a comunidade católica.

“Às vezes ele gosta [que lhe beijem as mãos], outras vezes não. É tão simples assim”, explicou à Reuters um assessor do Papa Francisco, acrescentando que o chefe de Estado do Vaticano se mostrou “divertido” com a situação.

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