Manifesto contra “retrocesso civilizacional” das terapêuticas não convencionais entregue no Parlamento

Subscritores não reconhecem qualquer capacidade de tratamento àquelas terapêuticas. E os representantes destas falam em "ignorância" e lembram que cidadãos têm direito à escolha.

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A acupunctura é uma das terapêuticas alvo das críticas dos subscritores do manifesto NUNO FERREIRA SANTOS

São 161 subscritores de diversas áreas (sobretudo médicos, mas também engenheiros, advogados, farmacêuticos e até arqueólogos) e assinam o manifesto Por Cuidados de Saúde de Base Científica, que esta segunda-feira foi entregue na Assembleia da República. O documento classifica as terapêuticas não convencionais (TNC) como “inúteis” e símbolo de um “retrocesso civilizacional” e pede, entre outras coisas, a “revogação” dos diferentes documentos legislativos que “erradamente induzem o cidadão comum a considerar a acupunctura, fitoterapia, homeopatia, medicina tradicional chinesa, naturopatia, osteopatia e quiropraxia como intervenções em saúde válidas”.

O médico e membro da Comunidade Céptica Portuguesa Armando Brito de Sá é o primeiro subscritor do documento e deixa claro que a intenção “não é, de todo, proibir estas práticas”. “Regulamentá-las, sim, mas fora do âmbito da saúde e não como disciplinas com igualdade científica, como se pretende fazer actualmente em termos de cursos superior. Que sejam remetidas para o seu verdadeiro lugar, o bem-estar, o lazer, e não como intervenções terapêuticas, de tratamento”, defende, em declarações ao PÚBLICO.

Por isso, um dos outros pedidos expressos no manifesto é que as universidades e politécnicos sejam incentivados “a remover dos seus currículos o ensino de práticas pseudocientíficas que apenas o desprestigiam”.

“Quando não entendemos determinada coisa ofendemos, e quando não se consegue defender, agride-se. Por isso, além da ignorância demonstrada [pelos subscritores], a nossa óptica é que a lei é para se cumprir, não há cidadãos de primeira nem de segunda”, contrapõe Noémia Rodrigues, presidente da Associação Portuguesa de Naturopatia. A naturopata – assim como um elemento da União de Medicinas Naturais (UMN) – utilizam o termo “complementaridade” para definir o que as TNC fazem em relação à medicina convencional. “Podemos trabalhar em conjunto. Se me deparo com uma coisa que me transcende, digo à pessoa,’ precisa de um exame, vá ao seu médico de família’”, afirma.

Só que isto não faz sentido para o bioquímico e divulgador de ciência David Marçal, outro dos subscritores, porque, no seu entender, as TNC não tratam coisa alguma. “Elas não conseguem através de procedimentos normais de avaliação de tratamento provar a sua eficácia e segurança”, afirma, defendendo que, no caso destas terapêuticas está a colocar-se “uma capa de modernidade no que é o velho pensamento pré-científico, mítico”. “É pensamento mágico disfarçado de ciência”, diz, que está a beneficiar de “uma credibilização artificial”, porque, defende: “É mais fácil convencer políticos de um disparate do que a comunidade científica.”

Pressão ou atraso

O manifesto surge numa altura em que os subscritores entendem estar “em marcha a pressão dos […] praticantes [das TNC] para a integração destas práticas no Serviço Nacional de Saúde”. Uma situação que, explica David Marçal, se prende com o facto de os profissionais saídos dos cursos das TNC após 2013 pretenderem obter cédulas profissionais emitidas pela Administração Central de Sistema de Saúde.

Ao contrário da “pressão” referida no manifesto, Noémia Rodrigues diz que é o Estado “que está a atrasar” o acesso às cédulas profissionais, ao não avançar com a regulamentação que o permitirá, o que já levou a um protesto em frente à Assembleia da República.

Até Março de 2018, foram autorizadas pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior 15 cursos de Osteopatia e Acupuntura em dois politécnicos do país, mas outros 13 tinham sido “chumbados”, incluindo todas as formações em naturopatia e fitoterapia. Recentemente, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vetou o diploma do Governo que reconhecia interesse público à Escola Superior de Terapêuticas Não Convencionais, argumentando que “as Ordens Profissionais competentes não aprovam o ensino de terapêuticas não convencionais” e por “não haver validade cientificamente comprovada”.

“O cidadão português tem o direito a escolher o tratamento que quer”, defende Noémia Rodrigues, enquanto um membro da UMN, que prefere não ser identificado, acrescenta: “O primeiro ponto do método científico é a dúvida, mas as pessoas que recusam totalmente as TNC são as mais cheias de certezas. É um contra-senso. As TNC evoluem como evolui a medicina e isto passa por regulamentação, pelo ensino superior, em que terá de haver investigação.”

Armando Brito de Sá reconhece apenas às TNC o “efeito placebo” e, em alguns casos, a capacidade de dar ao doente a atenção que falta na medicina, com a sua imagem “fria, distante e desligada das pessoas”. David Marçal diz que a melhor forma de descrever o efeito das TNC é recorrendo a uma anedota: “Como se chama medicina alternativa que provou funcionar? Medicina.”

Os subscritores do manifesto entregaram o documento na Assembleia da República, a todas as forças políticas ali representadas e a três comissões parlamentares, aguardando por reuniões para exporem os seus argumentos.

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