Número de interrupções da gravidez continua a descer em Portugal

Dos 15.492 casos registados em 2017, 96% foram por opção da mulher até às dez semanas. As instituições públicas são as escolhidas por 71% das mulheres.

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As IG realizadas nas instituições públicas são, sobretudo, por via medicamentosa, enquanto os privados preferem cirurgias Rui Gaudêncio

A tendência tem-se mantido constante desde 2011, e os últimos dados confirmam-no: o aborto continua a descer em Portugal. Esta terça-feira foi revelado o relatório de 2018 dos Registos das Interrupções da Gravidez, que indica que o número total de interrupções de gravidez (IG) em 2017 diminuiu 2,9% em relação ao ano anterior. Se se analisar apenas as IG realizadas nas primeiras dez semanas de gestação, a pedido da mulher, a queda é de 3,4%. Esta possibilidade foi legalizada em Portugal em 2007.

Em 2017, segundo o relatório da Ministério da Saúde/Direcção-Geral de Saúde, realizaram-se 15.492 IG ao abrigo da lei, a grande maioria das quais (96%) por opção da mulher até às dez semanas. Muito mais abaixo (3%) encontram-se causas relacionadas com “grave doença ou malformação congénita do nasciturno” e com valores abaixo de 1% aparecem o “evitar perigo de morte ou grave e duradoura lesão para a saúde física ou psíquica da grávida (cem casos), as gravidezes resultantes de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual (14 casos) e a IG como “único meio de remover perigo de morte ou grave lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da grávida” (13 casos).

A faixa etária que mais recorreu à IG situa-se entre os 20 e os 34 anos (64%), com o grupo entre os 20 e os 24 a continuar a ser, tal como em anos anteriores, aquele em que, tanto em termos absolutos como em incidência, é o mais significativo. No ano analisado, 3563 IG foram realizadas por mulheres com estas idades, o que representa uma incidência de 1343 interrupções por cada 100 mil mulheres.

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Na análise comparativa ao período que medeia entre 2011 e 2017, os responsáveis pelo relatório salientam ainda que tem havido um aumento de abortos nas mulheres acima dos 40 anos – representavam 7% do total em 2011 e 9,2% em 2017 – e uma diminuição naquelas que têm menos de 20 – de 12,2% das IG em 2012, passaram para 9,6% em 2017. Contudo, este grupo é aquele “onde é maior o risco duma gravidez terminar em IG”, refere-se no documento, especificando-se: “Estima-se que em 2017 aproximadamente 52% das gravidezes em menores de 15 anos terminou em IG; esta percentagem foi de 40% em gravidezes ocorridas entre os 15 e os 19 anos de idade.”

Na altura de optar pela IG, a maioria das mulheres fê-lo por iniciativa própria (47,2%), enquanto 39% foram encaminhadas pelo centro de saúde. Nos casos em que a IG é feita por opção da mulher, o tempo médio de espera entre a consulta prévia e a IG é de 6,4 dias.

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Cirurgia no privado

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi o preferido pelas mulheres para recorrer à IG, com 71% das interrupções a serem realizadas em instituições públicas. Das 4457 realizadas no sector privado (29% do total), 28% delas foram feitas na Clínica dos Arcos.

A opção pela instituição pública ou privada teve uma relação directa com o método utilizado para a IG: no SNS 98,2% dos casos foram resolvidos com recurso a procedimento medicamentoso, enquanto nas instituições privadas o método claramente preferencial – 93,9% – foi a cirurgia com anestesia geral.

Em termos geográficos, a região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) foi de longe a que registou mais casos de IG (57,3%), seguida do Norte (22,8%). O facto de a região de LVT (e também do Algarve) possuir uma percentagem de IG superior ao esperado, quando comparada com o número de nados-vivos, leva os autores do estudo a concluírem que poderá haver uma “deslocalização” das mulheres para fora das suas áreas de residência e em direcção a estas zonas, na altura de recorrerem à IG.

É também na região de LVT e no Algarve que se regista o maior número de IG entre cidadãs estrangeiras, o que é associado ao facto de ser nessas zonas do país que residem mais pessoas nascidas fora de Portugal.

Em 2017, “72,5% das estrangeiras e 54% das portuguesas” que realizaram IG, fizeram-no na região de LVT. O número de IG entre a população estrangeira subiu ligeiramente (representaram 18,3% das IG de 2017 e 17,7% em 2016) e a média de idades é ligeiramente inferior à das mulheres nacionais – 28,4 anos nas estrangeiras e 29 nas portuguesas. Uma situação que, ressalva o estudo, não decorre do facto de aquelas cidadãs realizarem IG mais cedo, mas sim “à maior importância relativa das mulheres mais velhas entre as portuguesas”. As nacionalidades mais frequentes entre as estrangeiras que recorreram à IG são a cabo-verdiana, brasileira, angolana, guineense, são-tomense, nepalesa e romena.

Solteiras, na sua maioria

O retrato traçado pelo relatório permite ainda concluir que a maioria das mulheres que realizou uma IG em 2017 era solteira (72,5%), já tinha filhos (56,4%), possuía o ensino secundário (40,6%) e era trabalhadora não qualificada (16,7%). Também é possível aferir que 93% das mulheres que recorreram ao aborto em 2017 optou, posteriormente, por utilizar um método de contracepção.

No relatório é destacado um grupo de 1080 mulheres que, tendo recorrido à IG em 2017, já o tinha feito nos últimos dois anos (238 das quais há menos de um ano). O documento conclui que a maioria destas mulheres, que representam apenas 7% do total de casos analisados, era portuguesa (75,8%), tinha entre 20 e 24 anos (30,9%) e era trabalhadora não qualificada (23,4%). Destes 1080 casos, apenas 20 (1,9%) interrupções “foram devidas a motivo diferente de opção da mulher até às dez semanas”.

 O número de IG em Portugal é inferior ao da média europeia. Olhando para o número de IG por mil nados-vivos, verifica-se que em 2015 – o último ano com dados oficiais europeus – havia 203 IG por mil nados-vivos nos países da União Europeia, enquanto em Portugal esse valor era de 192. Em 2017, o número em Portugal voltou a baixar, agora para 179,8 IG por mil nados-vivos.

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