Uma “geringonça fiscal” com 12 ideias para melhorar a relação fisco-cidadão

Autoridade Tributária vai ter um serviço de defesa do contribuinte. Quando os cidadãos submeterem a declaração do IRS aparecerá um gráfico a mostrar a distribuição da despesa pública.

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“É essencial os cidadãos conhecerem o destino dos seus impostos”, afirmou Centeno na conferência Cidadania Fiscal 2.0 LUSA/MIGUEL A. LOPES

É uma das 12 ideias do grupo de trabalho lançado pelo Governo para estudar propostas para prevenir litígios entre os contribuintes e o fisco. E é ponto assente que avançará. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vai ter uma nova unidade para trabalhar a comunicação, o contacto e a proximidade com os cidadãos, o Serviço de Apoio e Defesa do Contribuinte.

Quando muita da relação fisco-cidadão acontece hoje online e à distância, a missão desta unidade passa por dar um rosto humano à máquina, como uma espécie de “contra-digitalização” num momento de crescimento dos automatismos na AT.

A ideia nasceu no grupo de trabalho coordenado pelo fiscalista João Taborda da Gama, e vai passar do papel à prática, como confirmou nesta segunda-feira o ministro das Finanças, Mário Centeno, durante a conferência Cidadania Fiscal 2.0, organizada no Salão Nobre do Ministério das Finanças.

“Não precisamos de começar do zero”, mas “de direccionar” as valências que já existem, afirmou Centeno, depois de Taborda da Gama ter apresentado as linhas gerais das 12 propostas legislativas feitas pelo grupo de trabalho.

Ao longo de 11 meses, o núcleo de dez peritos coordenados pelo advogado e professor de Direito Fiscal estava incumbido de estudar medidas para prevenir e resolver litígios de forma amigável. Uma das tarefas passava por olhar para a protecção dos contribuintes em relação aos automatismos e à digitalização. E aí — nessa “espécie de geringonça fiscal”, como Taborda chamou com ironia ao grupo de trabalho que coordenou, dada a sua “constituição heterogénea” — nasceu a ideia de criar esta nova unidade.

Inspirando-se na administração fiscal holandesa, uma das funções passa por estabelecer um contacto oral com contribuinte sempre que alguém apresenta uma reclamação, para perceber se há um equívoco da AT, se é uma queixa emocional ou se de facto há matéria de queixa a dar seguimento, exemplificou Taborda da Gama.

O serviço terá uma componente de “defesa do contribuinte” e cabe-lhe também dar maior visibilidade externa. O grupo de trabalho propõe, por exemplo, que esta unidade faça um relatório sobre os direitos dos contribuintes e que o apresente à Assembleia da República dando a conhecer os dez maiores problemas colocados anualmente pelos cidadãos.

“É uma forma de chegar aos pequenos contribuintes, que são a maioria dos contribuintes”. Com um foco na transparência. E em função do diagnóstico, acompanhar o que a AT faz ao longo do tempo para dar resposta a esses problemas.

Há 12 recomendações e, para já, está apenas confirmado que esta avançará. Caberá agora ao Governo decidir se implementa as restantes.

O grupo de trabalho propõe, por exemplo, que se simplifiquem os conteúdos das notificações enviadas aos contribuintes, porque existe a percepção de que os textos da autoridade tributária nem sempre são perceptíveis. “Uma melhor compreensão gera menos litígios” e “a forma com a comunicação é feita é fundamental para criar uma relação de empatia e boa-fé”, sublinhou Gama.

Quem escreve em nome da AT, ao contactar um contribuinte, tem de pensar quais são as principais perguntas que surgem ao receptor da mensagem e desde logo explicar por que razão é que o contribuinte está a receber aquela mensagem, exemplificou o coordenador do grupo de peritos, propondo, por exemplo, que haja comunicações com uma “linguagem comum” e que se remeta para o site das Finanças para uma “comunicação mais desenvolvida se houver alguma limitação técnica”.

Em paralelo, propõe-se reformular os canais de comunicação já usados e adoptar outros, para personalizar a mensagem e passar a existir um contacto mais interactivo.

O grupo de trabalho, disse o coordenador, tentou lidar com as percepções que os contribuintes têm da AT e a percepção que esta tem daqueles — “ver do que é que dessa percepção é real e não é real; e mesmo que essa percepção não seja real, [ver] como actuar perante essa percepção”.

Se a percepção for a de que existe muita litigância, os números do fisco mostram outra realidade: das cerca de 25 milhões de liquidações que o fisco faz por ano, há cerca de 45 mil que acabam em contencioso, isto é, 0,2% dos casos.

Regularização voluntária

Além das medidas na área da comunicação directa, o grupo de trabalho também faz o diagnóstico sobre a relação fisco-contribuinte no momento das inspecções tributárias. Os peritos propõem que passe a existir um “momento processual formal”, no fim das inspecções, para a regularização voluntária pelos contribuintes.

Quando o contribuinte recebe o projecto de relatório da inspecção, se avançar com a regularização tributária terá de o fazer de forma coordenada com a AT, para a administração fiscal saber o que é que o contribuinte vai regularizar. Durante esse período fica impedido de apresentar declarações de substituição relativamente aos actos inspeccionados, salvo se for autorizado pela AT quando esta vê vantagem em que o contribuinte o faça ainda nessa altura.

Numa sociedade que se quer “decente”, disse o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, é preciso “criar todas as condições para que as pessoas sintam orgulho em pagar os impostos”. E aí há um papel da AT que passa por ser mais eficiente e “eficiente e transparente”.

Quando se fala da máquina fiscal, disse, é preciso lembrar que por detrás dela “estão 11 mil trabalhadores”, a quem devem ser dadas condições para executarem melhor o seu trabalho, disse Mendonça Mendes.

Não será por acaso que o Governo tenha decidido que, a partir de agora, sempre que um contribuinte submeter uma declaração de imposto no Portal das Finanças, aparecerá um gráfico que mostrará a distribuição da despesa pública, isto é, do destino dos impostos. Quem o anunciou foi Mário Centeno. Algo que começará já a partir de 1 de Abril, com a entrega do IRS de 2018.

“É essencial aos cidadãos conhecerem o destino dos seus impostos, para que compreendam também a sua função para a nossa comunidade. A cidadania fiscal 2.0. também é isto. É conhecimento e esclarecimento”, salientou Centeno.

Eis as 12 propostas e recomendações do grupo de trabalho:

  • Publicação das regras informáticas de liquidação dos vários impostos e dos manuais de avaliação dos elementos patrimoniais tributários;
  • Publicação de notas explicativas relativamente a convenções internacionais
  • Simplificação e melhoria dos conteúdo das notificações;
  • Utilização de novos canais de comunicação (redes sociais);
  • Avaliação da criação de um regime de horizontal monitoring;
  • Reformulação e simplificação do regime de redução de coimas previsto no regime geral das infracções tributárias;
  • Cumprimento pela autoridade tributária da jurisprudência dos tribunais superiores;
  • Uniformização do regime de litigância de má-fé;
  • Definição de um momento processual formal, no final da inspecção tributária, para regularização voluntária pelos contribuintes;
  • Introdução do direito de audição prévia no procedimento de informação vinculativas;
  • Diferimento do início da fase da cobrança coerciva para o termo do prazo de reclamação graciosa;
  • Criação de um Serviço de Apoio e Defesa do Contribuinte.

Além de João Taborda da Gama, do grupo de trabalho fazem parte o juiz conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o professor da Escola de Direito da Universidade do Minho Joaquim Freitas da Rocha, os advogados Diana Ettner e Pedro Vidal Matos, a jurista Margarida Matias Louro, dois dirigentes da AT (Cristina Bicho, subdirectora-geral para a área da justiça tributária, e Telmo Tavares, director de Finanças de Aveiro) e dois membros do gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Bárbara Alexandre e Paulo Simões Ramos.

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