A luta contra o Daesh e as suas sucursais não acabou

O grupo jihadista criou ‘franchises’ com forças noutros países – que desde 2017 levaram a cabo ataques em pelo menos 25 países.

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Um jogo de futebol com campos de petróleo incendiados pelo Daesh em plano de fundo GORAN TOMASEVIC/Reuters

Libertar o território do Daesh foi a “parte fácil”, comentou Adnan Afrin, comandante das Forças Democráticas da Síria, à jornalista Rukmini Callimachi, do New York Times. A frase causa estranheza: como é que lutar contra um grupo que usava tácticas de terror, torturava detidos e gravava em vídeo para o mundo ver, lançava bombistas suicidas contra as forças que os cercavam foi “a parte fácil”?

A jornalista descreveu no Twitter como foi no final de Janeiro para a Síria esperando ver a queda da última localidade controlada pelo Daesh: “Fiquei três semanas, esperando a libertação de um local com o tamanho do Central Park”: demorou dois meses.

O comandante que lutou contra o Daesh explicou o que queria dizer: “Quando chegámos à linha da frente, enfrentámo-los. Disparávamos contra eles, eles disparavam contra nós. Sabíamos quem estava à nossa frente.”

Agora, “atrás de nós estão células adormecidas”, disse. “A luta contra o inimigo que não se pode ver é muito mais difícil.”

Nos últimos anos, com o seu autoproclamado califado a encolher, o Daesh vinha a perder território e os fundos que vinham com o seu controlo. 

Com o fim do seu território desaparece um forte motivador para recrutamento de combatentes estrangeiros, seduzidos também pela ideia de viver num local de interpretação estrita da lei islâmica.

Mas mesmo sob pressão para defender o território a que chamaram califado, a sua capacidade de atacar não desapareceu, embora numa escala diferente, noutros locais dos dois países. E não só: segundo o New York Times, desde 2017, o Daesh e seus seguidores levaram a cabo ataques em pelo menos 25 países.

Tal como a Al-Qaeda, de Osama bin Laden, também o Daesh criou alianças ou os chamados ‘franchises’ com forças noutros países – segundo o New York Times, desde 2017, o grupo terrorista e os seus seguidores levaram a cabo ataques em pelo menos 25 países.

Anda em Janeiro, o Daesh reivindicou um ataque nas Filipinas, uma explosão numa igreja católica que matou pelo menos 20 pessoas. E grupos com ligação ao Daesh continuam não só activos, mas a dominar território na Líbia, na península egípcia do Sinai, na Nigéria, ou no Afeganistão.

Num artigo na Foreign Policy sobre o declínio do califado já de 2017, Colin P. Clarke, autor do livro After the Caliphate (Depois do Califado) nota como o grupo se adapta às circunstâncias: “Um ano depois de terem perdido a cidade de Sirte, na Líbia, os combatentes do ISIS [como também é conhecido o Daesh] reagruparam-se em células mais pequenas pelo país.”

O Daesh também aumentou a presença no Afeganistão, onde tem reivindicado uma série de ataques sectários muito letais contra a comunidade xiita afegã – marcando uma diferença em relação aos taliban e deixando os xiitas com um medo que antes não tinham, segundo a emissora britânica BBC.

No Sinai, continua Colin P. Clarke, o Daesh tem mantido a actividade terrorista, e o regime do Presidente Sissi tem tido dificuldade em controlá-lo apesar de receber verbas consideráveis dos EUA para contra-terrorismo. As autoridades do Cairo decidiram recentemente dar armas aos homens das tribos locais para que estes ajudem também na luta contra o ramo local do Daesh.

Analistas dizem que parte das condições para o crescimento e sucesso do Daesh ainda existem.

Por um lado, nota Ben Wedeman na CNN, “regimes brutais por todo o Médio Oriente saíram da ‘Primavera Árabe’ com mais capacidade para a repressão do que nunca”, com “as prisões cheias de inocentes e culpados a cargo de uma polícia com cada vez mais capacidade de tortura”.

Se por um lado o Daesh tornou a vida de algumas das pessoas sob o seu domínio num inferno – matando, torturando, violando – por outro teve apoio de outra parte da população, não por causa da ideologia, mas por providenciar serviços há muito perdidos, como electricidade constante, recolha de lixo ou programas de vacinação. 

Na revista Foreign Policy, no artigo “O que virá a seguir ao ISIS?”, Daniel Byman, professor na Universidade de Georgetown, diz que “quando a memória da brutalidade se for desvanecendo, e os líderes corruptos e ineptos recomeçarem a mandar, alguns iraquianos e sírios vão relembrar com nostalgia o tempo em que as luzes se mantinham acesas”.

No Ocidente, o problema da existência do Daesh e do apoio à sua ideologia mantém-se, nota Byman, “e um pequeno número de seguidores vai tentar pegar no testemunho”. 

“Talvez seja preciso admitir” - conclui - “que um sucesso parcial é o melhor que se consegue.”

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