Da importância do Serviço Nacional de Saúde

O inquérito da OCDE vem demonstrar a importância primordial que a saúde pública tem para os portugueses, no momento em que o Parlamento discute a nova Lei de Bases da Saúde

Nem de propósito: uma semana após o primeiro-ministro, António Costa, ter percorrido, durante dias, vários pontos do país a inaugurar centros e outros equipamentos de saúde, para fazer passar a ideia de que o Governo tem investido neste sector público, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) apresentou o resultado do inquérito Risks That Matter, realizado em 2018, que ouviu mais de 22 mil pessoas dos 18 aos 70 anos em 21 países, sobre a forma como vêem os riscos sociais e económicos a que estão expostos e o que os respectivos governos têm feito para os diminuir.

O inquérito da OCDE vem demonstrar a importância primordial que a saúde pública tem para os portugueses, no momento em que o Parlamento discute a nova Lei de Bases da Saúde, a qual definirá os moldes em que este sector público irá funcionar, e em que são manifestas as suas insuficiências devido ao constante baixo investimento financeiro do Estado no Serviço Nacional de Saúde (SNS), situação que se agravou com o ajustamento orçamental imposto pela troika. Metade dos inqueridos (49%) afirma que está disposta a pagar mais 2% de impostos para melhorar o SNS. Em segundo lugar, surge a preocupação com a valorização das pensões.

Como é natural, são os que mais recorrem ao SNS, os mais pobres, que mais se mostram disponíveis para pagar mais impostos em nome de um melhor serviço público. É entre os mais ricos que o aumento de impostos é mais recusado. Mas o estudo mostra que, de facto, em Portugal, há uma aceitação absoluta da necessidade de existência de uma saúde pública. Ou seja, os portugueses interiorizaram o que é estruturante do Modelo Social Europeu e do que é hoje o padrão das democracias europeias.

Mas o inquérito da OCDE, noticiado pelo PÚBLICO, tem uma outra conclusão importantíssima: perante a pergunta sobre se os respectivos governos deveriam fazer menos, o mesmo ou mais para garantir a segurança social e económica dos cidadãos, 88% dos inquiridos portugueses responderam que deve fazer mais. Ainda em relação ao Governo, em Portugal foram 77% dos inquiridos a considerar que o executivo não os tem em consideração quando cria benefícios públicos.

Segundo o PÚBLICO, Steffano Scarpetta, director do Emprego, Trabalho e Assuntos Sociais da OCDE, num editorial que integra o relatório, afirma que este inquérito é uma “chamada de atenção” para os políticos, pois “há um claro descontentamento em relação às políticas sociais que existem actualmente”.

Palavras que os líderes políticos portugueses – por maioria de razão, o primeiro-ministro – deveriam ler com atenção, bem como o relatório. A necessidade de investimento na saúde pública é uma prioridade nacional. É-o para as populações que, de facto, a conhecem e a ela recorrem, mas é-o igualmente para a sociedade em geral, já que é central numa democracia manter serviços sociais públicos, em particular de saúde, que garantam o bem-estar social, a qualidade e a dignidade de vidas das pessoas. É para isso que se pagam impostos e é por isso que os resultados deste inquérito mostram que 49% dos inquiridos portugueses admitem até pagar mais 2% para o SNS.

A prioridade do investimento em saúde é, assim, uma urgência que não pode ser escamoteada nem usada politicamente. Por muito que o actual Governo tenha investido na Saúde, a verdade é que as necessidades, as falhas, as debilidades são imensas e é preciso assumir como tarefa nacional a recuperação deste sector. Isso não se faz inaugurando alguns centros de saúde e equipamentos pelo país arrastando a comunicação social, em operações de pura propaganda em período pré-eleitoral. Também não se faz cativando verbas que deveriam ser investidas. Por mais necessária e usual que seja a cativação de dinheiro para garantir o equilíbrio das contas públicas, há uma escala de valores no que se refere à dignidade humana e nela os serviços públicos de saúde estão nos lugares cimeiros.

Pelas mesmas razões que as necessidades da Saúde não devem ser aproveitadas eleitoralmente pelo Governo, não devem sê-lo pela oposição. É empobrecedor do debate político e nada dignificador da actividade partidária ver líderes, como Assunção Cristas, a fazerem a sua volta pelo país em contraposição a António Costa. É uma simplificação do que se passa no sector da Saúde. É reduzir a realidade do sector a uma guerra de propaganda pró e contra o Governo. É desrespeitar as necessidades das pessoas por parte de quem deveria ter como missão encontrar soluções para as resolver.

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