Seca, uma rotina que é encarada com medidas rotineiras

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Almeida Henriques, presidente da Câmara de Viseu. Paulo Pimenta

A seca tornou-se um tema recorrente em ciclos de tempos cada vez mais curtos entre si à qual o Governo reage com medidas tomadas sempre com base nas mesmas formas de apoio, considerando sempre que a seca é uma situação de excepção, quando os ciclos em que ocorre são cada vez mais curtos entre si. Esta é a leitura comum que o PÚBLICO recolheu nos vários depoimentos que obteve no centro e sul do país.

O Governo aplica medidas “rotineiras em relação a um fenómeno que já se tornou rotina” comenta João Diniz, dirigente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), explicando as razões onde baseia a sua interpretação. Como aconteceu na última reunião da Comissão Permanente de Prevenção e Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca, o mesmo tipo decisões já foi tomado “ao longo da última década, pelo menos, por seis vezes” referiu o dirigente da CNA. As medidas passam sistematicamente pela “antecipação no pagamento das ajudas da PAC e pela atribuição de linhas de crédito bonificado e pouco mais”, constata João Diniz. Foi assim em 2017 e estiveram “muito aquém das necessidades, embora nós saibamos que o grau de carência e de dificuldades por que passam, sobretudo, os pequenos agricultores, dá por bem vinda qualquer tipo de ajuda”.

Almeida Henriques, presidente da Câmara de Viseu, diz que ainda hoje o seu concelho “está a sofrer os efeitos” das medidas que o Governo tomou em 2017 para suprir a falta de água no seu concelho. “Só recebemos 175 mil euros dos 600 mil que foram gastos para suprir as necessidades de água” da população. Foi um momento “terrível” assinala o autarca. Naquele ano o município de Viseu necessitou de transportar cerca de 3.300 metros cúbicos de água potável, diariamente. A operação obrigou a recorrer à utilização de 27 camiões-cisternas que movimentaram 112 cargas de água por dia. Em simultâneo “o Governo optou pelo “show off” com a trasfega da água não potável trazida de pontos de água localizados fora do concelho, para a barragem de Fagilde, que abastece a capital do distrito, critica o autarca, quando a solução está na construção de outra barragem com maior capacidade de armazenamento, mas que custa 17 milhões de euros.

A sul, a presidente da Associação de Agricultores do Distrito de Portalegre (AADP), Fermelinda Carvalho encara as decisões tomadas na última reunião da Comissão Permanente de Prevenção e Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca, como um exercício do género: “Vamos lá discutir para resolver problemas pontuais quando já deveríamos ter devidamente consolidadas soluções estruturais em função de um problema que veio para ficar”, as situações de seca cada vez mais frequentes.

E recorda o que então se passou em 2017. Os agricultores apresentaram projectos para abrir furos e adquirir cisternas, mas a sua aprovação “aconteceu seis meses mais tarde, quando já tinha chovido”. Na reacção a este comportamento, a presidente da ASDP diz que “o Governo veio criticar os agricultores por não concretizarem projectos aprovados”.

Referindo-se aos empréstimos bancários com base nas linhas de crédito concedidas pelo Governo para a aquisição de equipamentos ou abertura de furos, constatou “que não houve aprovação de um único na região de Portalegre”. Fermelinda Carvalho lamenta que o Alto Alentejo aguarde “há mais de 40 anos pela construção da barragem do Pisão” realçando a “enorme escassez” de reservas de água comparativamente com a região baixo alentejana.

Também Francisco Ferreira, dirigente da organização ambientalista Zero considera que o Governo continua a recorrer a medidas paliativas para enfrentar os mais frequentes ciclos de seca. “Ou tomamos medidas estruturantes ou ficamos pela identificação dos problemas e a recorrer a situações de emergência ou de excepção” adverte. Em relação a 2017 Francisco Ferreira admite que há “uma única diferença”. O Governo “está um pouco mais atento ao uso eficiente da água”. Naquele ano a Zero exigia ao Governo que avaliasse as captações através dos furos artesianos nos solos para saber que água é retirada” reconhecendo que a administração “não tem capacidade para controlar a quantidade de água que era extraída do solo”. Francisco Ferreira admite que o problema subsiste em 2019.

O ano hidrológico 2016/2017 foi igualmente nefasto no centro de Espanha e nas regiões que fazem fronteira com Portugal. A organização ambientalista SEO/BirdLife reportando-se à enorme quantidade de albufeiras que ficaram apenas com o seu caudal morto (reserva de água mínima) diz que a seca vem mostrar a “escassez crónica e a superexploração sistemática da água na Espanha”. Lá como cá, “o dogma de que as secas são algo excepcional” persiste. A organização espanhola salientava que a seca se limitava apenas a lembrar que o planeamento hidrológico espanhol “ainda não se tinha adaptado à realidade climática, e que as decisões tomadas para enfrentar as situações críticas associadas à falta de água, “são baseadas em informações parciais e abordagens erróneas”.

A SEO/BirdLife acusa o Governo espanhol de aceitar que a procura de água continue a exceder as disponibilidades existentes. E deixam um sério aviso: “Não há água para tanto consumo. Não há água para tantas expectativas”. 

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