Portugal e o Douro deviam pôr os olhos em Champanhe

Em 2018, a região de Champanhe facturou cerca de 4,9 mil milhões de euros, a maior parte do mercado externo. Por cá, o Douro, com mais área e mais produtores e um vinho igualmente histórico, o Porto, factura pouco mais do que uma décima parte desse montante.

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Nelson Garrido

De que falamos quando falamos de Champanhe? Não é de uma região com paisagens esmagadoras, nem de um lugar que já nasceu para o vinho por graça da natureza. Podemos falar de um vinho efervescente, luminoso, festivo e glamoroso, que é verdadeiramente uma criação humana. E falamos também de uma denominação de origem que, na forma como é gerida, se reinventa e se adapta ao mercado e às tendências de consumo, devia servir de exemplo a algumas regiões vitivinícolas portuguesas, em especial ao Douro – a única que, pelo vinho do Porto, se lhe pode comparar em história e prestígio.

Olhemos para os números: em 2018, a região de Champanhe vendeu cerca de 302 milhões de garrafas, facturando 4,88 mil milhões de euros. Leu bem: foram mesmo quase 4,9 mil milhões de euros. Vendeu menos cinco milhões de garrafas, mas aumentou as receitas em 0,3% em relação a 2017. O grosso das receitas (2,85 mil milhões de euros) teve origem no mercado externo. França, que no ano anterior assegurou mais de 50 % das vendas de champanhe, regrediu 1,8%. 

Com o mercado mundial do vinho em retracção, os resultados obtidos por Champanhe não podem deixar de ser considerados extraordinários. Mas para os responsáveis pelo Comité de Champanhe, o órgão que gere a região, os números revelam alguns problemas: o Reino Unido, que era o principal mercado de Champanhe, diminuiu 3,6% em volume e 2,2% em valor, tendo sido ultrapassado pelos Estados Unidos (aqui, cresce o volume mas não o valor); e o mercado francês continua em queda, uma tendência que o Comité de Champanhe associa a mudanças dos consumidores, que estarão a frequentar menos os grandes supermercados. A boa notícia é a crescente penetração do Champanhe na China – um mercado difícil para vinhos efervescentes. Dos grandes vinhos franceses, só mesmo o Champanhe aumentou as vendas na China. Tanto os vinhos de Bordéus como os da Borgonha perderam fôlego no maior mercado mundial. 

Voltemos aos números: em 2018, Portugal inteiro exportou 803 milhões de euros, cerca de um terço das exportações de Champanhe. A região do Douro, por sua vez, vendeu 556 milhões de euros de vinho (no mercado interno e externo), 369 milhões dos quais foram de vinho do Porto. 

No Douro há cerca de 21 mil produtores. A actuar no sector do vinho DOC Douro há apenas cerca de mil operadores. No vinho do Porto, o número é ainda mais baixo: 206 (diz bem do carácter fechado do sector).

Em Champanhe há 15.800 produtores, 140 cooperativas e 320 casas de champanhe. A área da denominação abrange 34 mil hectares de vinhas, divididos por quatro regiões principais. Montagne de Reims, Côte des Blancs e Côte de Sézanne, Vallée de la Marne e Côte des Bar. 

No Douro, a área é de cerca de 45 mil hectares. Para os vinhos produzidos, foram necessários cerca de 130 milhões de quilos de uvas (63% para vinho do Porto e 37% para DOC Douro). A venda destas uvas rendeu à região cerca de 123 milhões de euros. Ou seja, em média, cada produtor do Douro recebeu cinco mil e oitocentos euros. Uma ridicularia.

O grosso deste valor resultou da venda de uvas para vinho do Porto, que são pagas a uma média de 1,30 euros o quilo (em Champanhe, as melhores uvas passam facilmente dos cinco euros). Considerando aceitável que cada quilo de uvas custa a produzir cerca de 0,90 cêntimos, os agricultores do Douro que vendam uvas para vinho do Porto já ganham alguma coisa. Mas quem produz apenas uvas para DOC Douro tem vendido abaixo do custo de produção. Na última vindima, devido a uma elevada quebra de produção, os preços quase que duplicaram e, mesmo assim, não ultrapassaram os 0,80 cêntimos por quilo.

De algum modo, estes números dão razão a quem diz que o vinho do Porto está a financiar o DOC Douro. Com todos os seus problemas, o vinho do Porto assenta num sistema de classificação de vinhas e de controlo da produção eficaz. A existência de uma quota de produção, definida anualmente de acordo com as condições do mercado, e de uma reserva de vinho (cerca de um terço das vendas), permite regular a oferta. 

Champanhe faz o mesmo. Também tem um stock de reserva e estágios longos (cerca de 3,7 anos em média) e fixa igualmente uma quota de produção de acordo com as vendas. No DOC Douro, além de não haver qualquer stock de reserva, nem a obrigação de tempos de estágio prolongados para os vinhos de melhor classificação, a autorização de produção tem-se mantido mais ou menos inalterada, conduzindo a constantes excedentes de vinho (a última vindima foi uma excepção). Ora, já se sabe o que acontece quando se produz acima das necessidades: baixam os preços das uvas e dos vinhos e, no final, perdem todos. Para aumentar prestígio e valor num produto só há uma receita: adequar a oferta à procura e provocar a escassez, nem que seja de forma fictícia (é isso que fazem as grandes marcas). Custa muito aprender com os melhores?

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