Miguel Morgado: “António Costa tem a posição típica do radical e extremista”

O porta-voz do Movimento 5 de Julho rejeita que este possa ser visto como um "Tea Party à portuguesa". Manifesto é divulgado no sábado.

Contra “as redes de corrupção e oligarquia” e a “esquerdização” do país. É assim que o movimento inspirado na Aliança Democrática (AD) de 1979 se apresenta. O porta-voz, Miguel Morgado, é duro com António Costa.

O que é o Movimento 5 de Julho e para que é que vai servir?
O nome do movimento remete para o 40.º aniversário da AD. A função do movimento é não se intrometer na agenda dos partidos, nas escolhas tácticas dos partidos, e fazer um trabalho que os partidos não podem fazer que é o de reelaboração e refundação dos princípios, dos valores, conceitos e ideias das direitas ou do espaço não socialista.

Que valores são esses que não estão a ser defendidos?
Não é tanto não serem defendidos. O ponto é: não agimos política e socialmente, se não for em cima de um substrato cultural e intelectual qualquer. Todo o entendimento que temos da liberdade, igualdade, mobilidade social, legado cultural português e europeu, o nosso relacionamento com a Europa, o futuro do país, tudo isso tem que ser pensado à luz do que aconteceu em Portugal nos últimos anos e à luz desta relativa negligência...

Isso tudo não deve fazer parte das cartas de princípios e programas eleitorais dos partidos?
Os partidos estão lá para propor às pessoas como podem resolver melhor os seus problemas, no Serviço Nacional de Saúde, no sistema de educação. Os partidos políticos à esquerda têm - e não é só em Portugal - uma vocação totalizante. À direita, a tradição é muito outra, é muito mais representativa, é a ideia de que existe uma sociedade civil que precede o Estado, precede os partidos políticos e eles estão lá para representar a sociedade civil, não é os partidos a quererem transformar a sociedade civil, é a sociedade civil a transformar os partidos. Os partidos de esquerda confundem-se com a própria sociedade civil.

Até onde vai a direita do MovimentoAté ao Chega de André Ventura ou não tem fronteiras?
Não colocamos fronteiras. Não somos um partido político. Temos gente do PSD, CDS, Aliança e Iniciativa Liberal. Quanto ao resto, soube há uns dias que André Ventura fez um vídeo a repudiar o Movimento 5.7, portanto, estamos resolvidos desse lado. As fronteiras vão ser delineadas pelo próprio manifesto. 

Que manifesto vai ser esse?
Não vou estar a antecipar porque temos um evento preparado para o efeito, mas as ideias certamente passarão pela relevância da continuidade da presença na UE, apelo à descentralização e desestatização da sociedade portuguesa e para uma regeneração institucional, um compromisso muito forte com o desmantelamento das redes de corrupção e oligarquia que dominaram a sociedade portuguesa nas últimas décadas. 

O Estado é um obstáculo ao desenvolvimento económico?
Não é o Estado, é o estatismo, que é um ramo do esquerdismo, do socialismo que queremos combater. Há exemplos na educação, veja o ataque que foi feito aos contratos-associação. Sacrificamos os alunos e as famílias a um desígnio ideológico que diz que só pode haver ensino estatal e esse tem que ser fortemente centralizado e controlado pelas vanguardas ideológicas de Lisboa. No nosso movimento, temos a opção exactamente contrária, implica autonomia e descentralização. O BE, que iniciou uma guerra cultural contra o PS moderado dos anos 80, venceu essa guerra. Houve uma esquerdização do PS e não é por acaso. 

O BE tem mais força do que o PS? É isso?
Do ponto de vista cultural, não há dúvida nenhuma que venceu essa guerra. A partir do momento em que o então SEAP, hoje ministro dos Transportes, diz que o PS se revê mais no modelo de sociedade do PC e do BE do que no modelo de sociedade do PSD e CDS está a reflectir precisamente isso. Isto é uma coisa bastante grave de se dizer. Esta esquerdização tem que ter uma resposta. 

Está num partido onde agora parece que ninguém quer ser de direita, nem Rui Rio, nem Paulo Rangel. Até que ponto se revê neste PSD? 
Revejo-me no PSD como um partido fundamentalmente não-socialista. Em 1978, era evidente para Sá Carneiro que com o PS não se conseguia nem reverter o legado do PREC nem desmilitarizar o regime. 

Agora também entendem que não é possível fazer nada com o PS?
O projecto de governação do PS é sempre o mesmo, foi o mesmo com Guterres, com Sócrates e é o mesmo com António Costa, que é essencialmente de estagnação. Não se pode contar com o PS para reformar o país para nada. Mesmo quando o primeiro-ministro se prepara para ir para a campanha das legislativas como se tivesse operado um grande feito nos últimos três anos, a única coisa que tem para reclamar é que Portugal está a cair todos os anos no conjunto da classificação das economias europeias por índice de prosperidade. Qualquer dia, Portugal vai estar a disputar com a Roménia o último lugar da prosperidade das economias europeias e o PS vai estar a reclamar isso como um grande triunfo. Temos um problema grave de estagnação que é uma estagnação social, económica, de produtividade e cuja causa é uma degradação institucional e a criação de redes de dependência e de clientelismo que, como descobrimos em choque em 2011, eram chefiadas por autênticas pirâmides de corrupção.

Está a falar exactamente de quê?
Estou a falar do que aconteceu com José Sócrates e Ricardo Salgado. O maior banco privado era o BES em 2011, a maior empresa privada era a PT. O BES sabemos como está, a PT desapareceu. Não foi por causa da crise económica de 2010/11. Hoje sabemos com tudo o que está no despacho de acusação da Operação Marquês que Portugal esteve debaixo de um manto de corrupção e que o sistema procurou por todos os meios convencer os portugueses de que não havia corrupção nenhuma. Lembro-me de uma alta responsável das magistraturas e responsável pela investigação dizer que em Portugal não havia corrupção. Havia um problema gigantesco de corrupção e mais: excluindo os processos de corrupção que podem em última análise ser associados a figuras individuais mais ou menos sinistras que passaram pelo sistema português o que temos sobretudo é um projecto de governação em que há uma perfeita continuidade entre António Costa e José Sócrates.

No passado, houve ex-ministros do PSD acusados e investigados por corrupção.
A grande diferença é que esses políticos não foram protegidos pelo seu partido e pelo sistema do seu próprio partido. Não me esqueço como foi difícil falar sobre as suspeitas que recaíam sobre o primeiro-ministro. Hoje sabemos que essa protecção, pelas mesmas pessoas que hoje estão no Governo de António Costa, permitiu que se continuasse a praticar um conjunto de delitos e de outras coisas que eram plenas imoralidades. Isso foi uma mancha sobre a democracia portuguesa.

Deixe-me perguntar algumas coisas concretas: defende a privatização da RTP, da CGD e a concessão de prisões?
O movimento não faz qualquer tipo de reivindicação sobre privatizações. A devido tempo, teremos tempo de falar de muita coisa, da comunicação social, do sistema financeiro...

O movimento não terá posições concretas sobre questões de civilização ou eutanásia, mudança de género aos 16 anos?
Não, mas discutirá, por exemplo, a questão da ameaça da predominância cultural da chamada ideologia do género. 

Predominância cultural da chamada ideologia do género. Acha que isso é mais evidente com a “geringonça"?
A “geringonça” acelerou o processo. A “geringonça" esquerdizou o país. Quando o primeiro-ministro passa anos a dizer em público que o BE e o PCP é que são os lugares da moderação política e que o PSD e CDS são radicais, esta é a posição típica do extremista. O radical é aquele que toma a posição de moderação pelo radicalismo e o radicalismo pela posição de moderação. É precisamente o radical que faz essa confusão. Quando é um primeiro-ministro a dizer isso, isso tem consequências. Nós tivemos uma aceleração cultural do BE que é inegável. Haverá portugueses que dirão ‘Ainda bem’. Nós, do lado do movimento 5.7, dizemos isso é um dano que se causa à nossa comunidade política.

Tea Party à portuguesa? “Isso é ignorância e má-fé"

Está desiludido com o Presidente da Repúblico que a direita ajudou a eleger, no sentido em que ele não estará a defender esses valores?
Não posso fazer qualquer tipo de comentário sobre o desempenho do Presidente quando sou porta-voz do movimento, sou representante de pessoas que têm sensibilidades muito diferentes e que no caso do desempenho do Presidente da República também têm opiniões diferentes.

Porque há pessoas de direita que em vários momentos se sentiram defraudadas?
Isso é uma evidência que houve pessoas que se sentiram desiludidas com o prof. Marcelo Rebelo de Sousa. O prof. Marcelo Rebelo de Sousa irá alegar em seu favor que essas pessoas que se sentiram desiludidas são muito menos do que as que até se converteram à bondade do seu mandato. É importante que o trabalho que sair deste movimento permita interpretar o desempenho deste Presidente e de outros com muito maior clareza do que existe hoje, em vez de ser simplesmente um concurso de popularidade em torno de aspectos que são puramente circunstanciais e às vezes mediáticos. É bom que haja também uma clarificação cultural que permita às pessoas avaliar o desempenho das instituições e dos titulares das instituições de outra maneira, de uma maneira mais congruente com os propósitos societais que nós desejamos. 

Vão ser uma espécie de Tea Party à portuguesa?
As pessoas sabem o que é o Tea Party à portuguesa? Essas acusações resultam de uma grande ignorância e má-fé. Queremos pensar a partir de raízes portuguesas e não estar a ficar dependentes de importações ideológicas e da moda. Reunimos um grupo muito heterogéneo de pessoas. Não queremos que ninguém sacrifique as suas diferenças. Não estamos à procura do mínimo denominador comum. Não vamos interferir nas escolhas tácticas dos partidos. Cabe aos partidos interpretar as necessidades das suas áreas políticas. Vamos apontar um caminho que é um caminho intelectual para refundar a direita.

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