Alemanha abriu leilão do 5G com faxes e relógio analógico

Venda de espectro radioeléctrico é um momento crucial para a maior economia europeia. O valor da factura dirá se o país aprendeu com erros do passado.

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Jochen Homan, presidente da Agência Federal de Redes (segundo a contar da direita), recorreu a um relógio analógico para marcar o início do período de licitação das frequências do 5G na Alemanha REUTERS/Kai Pfaffenbach

Três incumbentes (Telefonica, Deutsche Telekom e Vodafone) e um recém-chegado (1&1 Drillisch) começaram nesta terça-feira a disputar as frequências destinadas à quinta geração móvel (5G) na Alemanha, que serão entregues em leilão. A negociação começou de manhã cedo, num contexto que tem tanto de caricatural como de inovador. E marcou o início de um período crucial para a maior economia europeia.

O primeiro dia saldou-se por oito rondas de licitação e revelou regras muito apertadas – e com um leve sabor a 1990. O presidente da Agência Federal de Redes (Bundesnetzagentur em alemão, BNA) recorreu a um relógio analógico para abrir o leilão. Na sede da BNA, em Mainz, cada operador faz-se representar por uma equipa que entrou numa sala descrita pela Reuters como um bunker. Cada equipa tem uma sala e fica isolada do resto do mundo durante o leilão. Os telemóveis tiveram de ser entregues à entrada e quem está na sede da BNA só pode comunicar por fax com a administração que representa. 

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O leilão alemão decorre sob regras bastante severas na sede da BNA, em Mainz, 50 km a oeste de Frankfurt REUTERS/Kai Pfaffenbach

Na primeira ronda, o preço global dos 41 blocos de espectro à venda atingiram o preço global de 288 milhões de euros. Oito horas depois, no final da oitava ronda, o preço global tinha subido aos 332 milhões de euros – bastante longe dos mais de cinco mil milhões que o governo federal conta arrecadar nesta venda. A puxar os valores para cima, neste primeiro dia, esteve claramente a 1&1 Drillisch, que concorre em condições diferentes da dos operadores, porque é um operador virtual, sem infra-estrutura própria (que é sinónimo de custo para os restantes) 

O leilão esteve em risco de não se fazer porque os três incumbentes tentaram travá-lo na justiça. Não concordavam com a meta de cobertura imposta por Berlim (98% dos lares alemães e velocidades de descarregamento de 100 megabits por segundo até ao final de 2022), que consideravam “irreal” e “inexequível” em apenas quatro anos. Além disso, contestavam a participação da 1&1 Drillisch, que é uma das inovações neste concurso. É a primeira vez que um operador virtual participa na venda de espectro radioeléctrico. Havia concorrentes que se opunham a esta entrada – mas quatro dias antes da data do leilão, um tribunal de Colónia rejeitou os argumentos jurídicos e deu luz verde.

Outra novidade alemã, igualmente contestada pelos concorrentes, é o facto de o governo ter excluído uma faixa de 100 MHz, que será entregue no segundo semestre de 2019 em concursos locais. “É uma novidade”, atesta Ana Aguiar, investigadora do Instituto de Telecomunicações, com alguns anos de carreira profissional num dos operadores alemães. Isto permite duas coisas: abre o espectro à indústria (uma Siemens, uma BASF, os automóveis, etc...) que esteja interessada em investir em aplicações baseadas nas mesmas frequências do 5G (por exemplo, produção automatizada com latência mínima e grande número de sensores); e permite que operadores locais, mais pequenos, possam entrar no negócio, servindo zonas que por alguma razão correm o risco de ficarem sem cobertura dos operadores nacionais. 

O leilão pode durar semanas. O de 2015, para o 4G, prolongou-se por três semanas. O do 3G, em 2000, durou seis semanas. O de 2019 acabará quando houver uma ronda de licitação em que nenhum dos concorrentes tenha apresentado novos preços. 

Erros do passado

Esta negociação é uma corrida a quatro pela internet móvel do futuro. Mais importante do que isso, vai mostrar se na Alemanha se aprendeu alguma coisa com os erros do passado. No leilão do 3G, há 19 anos, os operadores alemães pagaram 50 mil milhões de euros (99,4 mil milhões de marcos) pelas frequências. A factura foi tão alta que alguns operadores desapareceram, outros só se salvaram graças a fusões e, pior do que tudo, quase ninguém ficou com dinheiro suficiente para desenvolver o 3G.

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Uma gravata temática no leilão na Alemanha: o país vive estrangulado por redes 3G e 4G que são das piores da Europa REUTERS/Kai Pfaffenbach

O resultado dessa loucura licitadora, num tempo em que o mundo ainda vivia dentro da bolha dot-com e a Alemanha emitia marcos, está à vista: o país que faz gala de ter 13 mil quilómetros de auto-estradas sem limite de velocidade é o mesmo que se arrasta por redes 3G e 4G que são das mais esburacadas e lentas da Europa. Em diversos indicadores de qualidade, o motor económico europeu é dos países que apresentam pior desempenho. Em termos de velocidade de descarregamento, fica atrás da Moldávia e da Albânia. Na cobertura LTE, tem menor disponibilidade do que qualquer um dos vizinhos da Europa ou parceiros comerciais – incluindo Portugal.

Num ranking de 49 países, a Alemanha fica em 46.º, segundo um dos muitos estudos que todos os anos classificam a qualidade da infra-estrutura de comunicações móveis pelo mundo. É uma espécie de lança espetada na eficiência e que fere o orgulho alemão, por culpa própria. Resta saber se a lição foi aprendida, e se este leilão do 5G (que disponibiliza frequências na banda dos 2GHz e dos 3,6 Ghz) segue no caminho da moderação – como já ocorreu nos leilões do 5G na Irlanda, Finlândia, Suíça e Áustria – ou se, pelo contrário, os operadores voltam a perder a cabeça e a esvaziar os bolsos, como sucedeu nos leilões de frequências em Itália e, em parte, no Reino Unido, ainda em 2018.

Em Portugal, ainda não há datas para a atribuição do espectro, mas há fortes preocupações com os custos envolvidos tanto do lado dos operadores no mercado nacional, como do lado de fabricantes de tecnologia que fornecem a infra-estrutura do 5G. Como o PÚBLICO noticiou no fim de Janeiro, Meo e Vodafone querem taxas de utilização do espectro mais baixas, para poderem avançar com o 5G. E a Nos pretende ver os custos de aquisição de espectro “minimizados ou mesmo eliminados”. Em entrevista ao PÚBLICO, na mesma altura, o presidente da Ericsson Portugal (que é um dos fornecedores de infra-estrutura do 5G), Luís Silva, também destacava a necessidade de haver “ponderação” e “moderação" nos preços de licenciamento das frequências.

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