Demasiado bom para ir para o lixo

O objectivo do governo alemão com a Zu gut für die Tonne é reduzir para metade o desperdício alimentar e conseguem-no de uma forma algo pedagógica — o utilizador, ao introduzir na app os alimentos candidatos ao lixo, recebe uma receita para elaborar com esses produtos.

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Durante os piores dias do euro, o governo alemão foi apelidado de ser um dos mais austeros da Europa. A redução do gasto público foi uma medida muito popular na Alemanha, associando aquele povo a pessoas disciplinadas e poupadas. No entanto, o comportamento dos alemães em relação aos seus ganhos públicos ou privados contrasta com o seu comportamento dentro das suas cozinhas — estimava-se que dos 11 milhões de toneladas de alimentos que acabavam anualmente no lixo, seis milhões correspondiam aos alimentos que deitavam ao lixo nas suas casas.

Assim, em 2012, o Ministério Alemão para a Agricultura e Alimentação colocou à disposição dos cidadãos uma app chamada Zu gut für die Tonne cuja tradução é, nada mais nada menos, que “demasiado bom para o lixo”. Segundo as estatísticas feitas pelo próprio governo na altura da criação daquela aplicação, cada cidadão deitava fora 150 gramas de comida por dia, o que significava que 55 quilos de comida por ano iam para o lixo, o que, em termos monetários, equivale, em média, a 230 euros perdidos todos os meses. Hoje, o dinheiro que voa para o lixo, fruto do desperdício alimentar mensal, encontra-se nos 150 euros, o que revela algum sucesso por parte desta medida e de outros factores sociais.

As frutas, verduras e o pão fresco são os alimentos que mais se deitam fora e correspondem a metade do volume total desaproveitado. O objectivo ambicioso daquele governo com esta aplicação é reduzir para metade o desperdício alimentar e conseguem-no de uma forma, eu diria, algo pedagógica — o utilizador, ao introduzir na app os alimentos candidatos ao lixo, recebe uma receita para elaborar com esses produtos. Receitas essas que foram elaboradas por conhecidos chefs alemães e algumas celebridades como é o caso de Alexander Kerner, que o protagonista do filme Good Bye, Lenin. O actor propõe uma receita de que eu gosto particularmente: uma tortilha feita de restos para a qual apenas necessitamos de dois ovos e queijo. Se, ainda para mais, a servirmos à moda castelhana com uma tosta com tomate e azeite de oliva, temos um excelente manjar de final de tarde/noite.

Este truque do “diz-me o que faço com o que tenho no frigorífico” foi aliás uma característica que achei deliciosa nos primórdios do marketing do robot de cozinha Bimby. Quem nunca entrou em casa sem saber o que cozinhar e sem a mínima vontade para pensar em soluções rápidas, optando pelo mítico iogurte com qualquer coisa ou no meu adorado arroz com ovo estrelado? 

Eu que, felizmente e por escolha, só tenho que cuidar de mim no quotidiano, não consigo nem quero imaginar o stress diário que mães e pais enfrentam para gerir as refeições das suas famílias. É por isso que admiro profundamente a gestão que algumas pessoas fazem nas suas casas, sobretudo quando esta gestão é partilhada.

Outra consequência feliz desta aplicação, da qual fiquei fã, é que ela acaba por ajudar a aproveitar os alimentos, mas também combate a procura por fast food, sobretudo nos dias de hoje, em que este consumo ficou ainda mais facilitado com serviços como a Uber Eats à distância de um simples clique.

Este projecto original, transversal e bastante replicável e recomendável a qualquer país europeu converteu-se numa sensação à qual aderiram milhares de pessoas na Alemanha. Não tenho dúvidas que os números em Portugal relativos aodesperdício alimentar serão igualmente preocupantes, o que nos deve trazer preocupações ambientais, financeiras e de saúde pública. A responsabilidade de sermos melhores cidadãos é de todos, sobretudo dos que nos governam, portanto olhem para a relva do vizinho e lembrem-se de a plantar por cá, por favor!

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