Um atentado pensado para ser viral com um autor apostado em chocar e confundir

O atirador de Christchurch trouxe para a ribalta um submundo de extremismo, que revela como as redes sociais facilitam, encorajam e incentivam a expressão de fanatismo, dizem investigadores.

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Brenton Tarrant, o atirador, quando compareceu em tribunal Mark Mitchell/New Zealand Herald/REUTERS

Foi o primeiro atentado planeado especificamente para ter o máximo de atenção online – a revista norte-americana The Atlantic descreveu assim o ataque que o extremista australiano levou a cabo em Christchurch, na Nova Zelândia, matando 50 pessoas em duas mesquitas.

O atirador tinha uma câmara com que conseguiu transmitir em streaming parte do ataque no Facebook, e o vídeo foi partilhado mais vezes do que as plataformas digitais demoraram a retirá-lo.

Mas o problema das redes sociais é anterior a isso, dizem especialistas em comunicação e na extrema-direita: o autor do ataque trouxe para a luz da ribalta, por exemplo através do seu manifesto, o típico de um submundo de extremismo online, alimentado de memes, piadas, e uma linguagem própria, e trolls, que fazem afirmações incendiárias para chocar e confundir, que são êxitos seguros para os algoritmos das redes sociais.

“Este caso é devastador, visceralmente repulsivo… e não é surpreendente”, comentou Whitney Phillips, professora de comunicação na Universidade de Siracusa (EUA). “É por isso que é tão perturbador”, disse à emissora norte-americana NBC. “Há tantos modos de as plataformas das redes sociais facilitarem, encorajarem e incentivarem todos os tipos de expressão de fanatismo.”

Num artigo no New York Times, Kevin Roose nota que “as pessoas costumavam pensar em ‘extremismo online’ como algo distinto do extremismo que ocorre no mundo físico”. Menos perigoso: as palavras não pareciam ter a mesma força de marchas do Ku Klux Klan.

“Mas o extremismo online é apenas o extremismo normal, mas aumentado: não há um equivalente offline a ter a experiência de ser levado por um algoritmo a uma versão mais estridente das crenças que já existem”, descreve. “A Internet é agora o local em que as sementes do extremismo são plantadas e regadas, onde os incentivos para as plataformas levam os seus criadores aos extremos ideológicos, e onde pessoas com crenças violentas podem encontrar-se e alimentar-se mutuamente”.

O manifesto do atirador, com as suas referências a uma subcultura da auto-intitulada alt-right (que no fundo continua a ser extrema-direita), pretendia confundir os seus leitores (“trollar”) e através de termos escolhidos, atrair mais potenciais seguidores para os “cantos escuros da Internet” onde podem ser encontradas visões semelhantes.

Becca Lewis, do centro de estudos digitais Data&Society, lembrou como isto aconteceu com o termo “incel” (celibatário involuntário), que foi incluído nas notícias sobre um ataque com uma carrinha em Toronto que fez dez mortos. Este é um termo encontrado frequentemente em fóruns da extrema-direita, muitas vezes misóginos. “E depois alguns jovens podem googlar e ir parar a uma toca [de pessoas com visões misóginas e de extrema-direita] apenas por usarem esse termo na busca”.

O objectivo do ataque não foi apenas matar: foi atrair mais pessoas para o submundo extremista, e inspirar outros a fazer o mesmo.

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