Jornalistas assistentes impedidos de acompanhar instrução da Operação Marquês

Juiz Ivo Rosa fecha as diligências de instrução aos jornalistas que são assistentes, os únicos que estavam a presenciar as audições, depois de o procurador Rosário Teixeira defender isso mesmo.

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MANUEL DE ALMEIDA

Os cerca de meia dúzia de jornalistas que se constituíram assistentes da Operação Marquês e, por isso, conseguiam assistir às diligências de instrução do caso em que o ex-primeiro-ministro José Sócrates está acusado de corrupção vão deixar de poder acompanhar esta fase do processo, que vai determinar se o caso segue para julgamento ou é arquivado. A decisão foi tomada na passada terça-feira pelo juiz Ivo Rosa, na sequência de um requerimento de uma jornalista da RTP.

A repórter em causa pedia que o tribunal autorizasse a sua presença nos interrogatórios dos arguidos que estão a decorrer no âmbito da instrução, já que todas as audições estão a ser presenciadas por vários jornalistas que são assistentes. O Ministério Público, pelo voz do procurador Rosário Teixeira, opôs-se e sustentou que não havia fundamento para alargar a presença, nas diligências de instrução, a pessoas que não fossem parte no caso e defendeu que fosse vedado o acesso aos jornalistas-assistentes.

O assistente funciona como um colaborador do Ministério Público e é um estatuto aberto a “qualquer pessoa” quando estão em causa crimes contra a paz e a humanidade, nomeadamente ilícitos como a corrupção que lesam os cidadãos em geral. O objectivo do legislador, diz Ivo Rosa no despacho de terça-feira, é “conferir aos cidadãos a possibilidade de exercerem uma cidadania activa, participativa e de colaborarem com o Ministério Público na justiça”. E “não o de conferir aos jornalistas”, como diz o Ministério Público e concorda Ivo Rosa, “o acesso a informação contida nos autos ou um interesse de, através de um estatuto ‘de privilégio’, obter informação de forma mais fácil”.

Ivo Rosa realça que, até este momento, a intervenção dos assistentes-jornalistas na Operação Marquês “limitou-se à recolha de informação contida no processo, num acesso privilegiado aos autos e às diligências de instrução e não à de colaborador do Ministério Público, numa clara subversão do estatuto de assistente”. E tal configura um “verdadeiro abuso de direito”.

Antes de concluir isso mesmo, Ivo Rosa recorre às palavras de Henrique Gaspar, ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, num Código de Processo Penal anotado. Neste livro, o juiz conselheiro, agora aposentado, considera um abuso de direito os jornalistas constituírem-se assistentes “apenas com o objectivo de recolha de informações do processo, tentando contornar as regras sobre o segredo de justiça através do acesso que a qualidade de assistente lhe permite”. Nestes casos, defende o conselheiro, não devia ser admitida a intervenção como assistente ou após se verificar esse comportamento devia retirar-se essa qualidade ao visado.

Ivo Rosa recorda também uma deliberação do plenário da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, de Novembro de 2015, onde este organismo de supervisão da profissão defende que a constituição de jornalistas como assistentes em processos sobre os quais desenvolvam trabalho é incompatível com a actividade já que compromete “a independência, integridade profissional e dever de imparcialidade desses jornalistas”.

Para justificar o facto de vedar as diligências instrutórias a todos os jornalistas, Ivo Rosa diz que a liberdade de informar, apesar de ter protecção constitucional, não é um direito absoluto. E afirma que, no caso concreto, não podemos esquecer que estão em jogo outros direitos como “o interesse na realização da justiça, a presunção de inocência, a reserva da vida privada, bom nome e reputação”. Isto apesar de só o advogado de um dos 28 acusados na Operação Marquês se ver pronunciado sobre o assunto, defendendo que se devia abrir a instrução a todos os jornalistas. Facto é que, com o mesmo quadro legal, o tribunal de Leiria onde decorre a instrução do caso que avalia responsabilidades penais no incêndio de Pedrógão Grande, em Junho de 2017, abriu as diligências a todos os jornalistas.

O processo da Operação Marquês vai continuar a poder ser consultado pelos jornalistas, independentemente de serem ou não assistentes, estando-lhes apenas vedada a presença nas diligências instrutórias. O debate instrutório, um tipo de alegação final desta fase, antes da decisão instrutória é por lei público. 

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