“Não somos um actor político. Somos um centro de reflexão e de criação de massa crítica”

A Escola de Governação Transnacional, em Florença, Itália, pretende formar a elite da administração pública e política, contribuindo para uma cooperação entre países.

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Miguel Poiares Maduro foi aluno do Instituto Universitário Europeu Carolina Pescada

Os desafios políticos actuais de resposta às questões relacionadas com as migrações, com as alterações climáticas, com a segurança e com a revolução digital pedem cada vez mais uma governação transnacional. É para responder a essa necessidade que surge a Escola de Governação Transnacional. Localizada no mesmo campus e edifício do Instituto Universitário Europeu, a instituição é liderada por um antigo governante português: Miguel Poiares Maduro.

Ministro-adjunto e do Desenvolvimento Regional entre 2013 e 2015, Poiares Maduro foi aluno do Instituto Universitário Europeu e regressa a Florença para assumir o cargo de primeiro director da Escola de Governação Transnacional. No 29.º e último lugar da lista do PSD às europeias o ex-ministro Miguel Poiares Maduro afasta o rótulo político da instituição. “Não somos um actor político. Somos um centro de reflexão e de criação de massa crítica de conhecimento sobre esta matéria”.

“O ponto de partida da escola é que temos um conhecimento especial sobre estas temáticas que resulta do facto de a União Europeia ser — com todos os seus problemas — o modelo mais bem-sucedido até hoje de governação transnacional”, justifica o ex-ministro.

No entanto, as questões discutidas não se esgotam naquilo que acontece em Bruxelas ou Estrasburgo. “São questões em que os problemas que se colocam, são problemas que os nossos Estados individualmente já não conseguem governar por si só, mas em que em muitos casos a União Europeia também já não é suficiente e necessitamos de formas de governação a nível global.” Os problemas resultantes das alterações climáticas, por exemplo, estão “não só relacionados com a União Europeia, mas também a China e com os Estados Unidos”.

A globalidade dos problemas é um desafio “à forma tradicional da política e da democracia” o que, explica o professor universitário, “coloca pressões sobre a organização destas formas de governação transnacional de uma maneira que seja legítima e que as pessoas considerem democrática”.

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A Escola de Governação Transnacional integra o Instituto Universitário Europeu Carolina Pescada

O perfil dos alunos da escola é também ele diversificado. “O nosso objectivo é ensinar quer jovens saídos da licenciatura e que queiram desenvolver a sua actividade, quer a nível nacional, quer a nível transnacional, internacional ou regional. Mas é também dar formação avançada, para altos responsáveis da Administração Pública, para agentes da sociedade civil que tenham a capacidade de transportar algum conhecimento que obtenham nesta escola para o colocar ao serviço da sua acção na sociedade ou através das politicas públicas pelos quais são responsáveis”.

“Temos estudantes e professores de todas nacionalidades, que estudam temas que envolvem diferentes culturas e diferentes sensibilidades. A comunidade da escola é ela própria um reflexo dessa diversidade.” E essa é a grande vantagem assinalada. Tanto o Instituto Universitário Europeu como a Escola de Governação Transnacional “lidam com os temas que estão para lá do Estado num contexto e numa comunidade que é ela própria transnacional e supranacional”.

“Senti isso quer enquanto aluno, ainda nos anos 90, já quando fiz aqui o doutoramento. Já nessa altura o tinha sentido e foi essa uma das razões que me levou a voltar. Foi uma experiência transformativa para mim. Sou uma pessoa que nunca seria se não tivesse estudado aqui. O instituto é um exemplo positivo das vantagens que a diversidade pode ter. Quando canalizamos esse conhecimento mais amplo, mais inclusivo, essa visão de 360 graus é muito produtiva. Reflecte o bom uso da diversidade.”

“Claro que a diversidade se não for canalizada de forma positiva pode, pelo contrário, produzir conflitos. A vantagem aqui é como nós trabalhamos na resposta a problemas, a questões, isso obriga-nos todos a convergir na resposta a essas questões.” Mas reconhece que existem discordâncias. “Também na ciência há pluralismo de respostas e muitas vezes divergência sobre qual é a resposta correcta, mas pelo menos esta diversidade permite-nos ter um conhecimento muito mais alargado sobre as questões que nós enfrentamos e que aqui são colocadas.”

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Carolina Pescada

Um dos programas mais inovadores que criámos é um programa de bolsas que não é dirigido a académicos, mas a pessoas da sociedade civil ou que trabalham nas políticas públicas. “Altos funcionários, altos quadros da administração pública, políticos e ex-políticos, responsáveis de sindicatos, jornalistas, responsáveis de organizações não-governamentais vêm passar um período entre três e nove meses através de um financiamento da União Europeia”, conta o académico.

“É a primeira vez que uma instituição científica numa instituição económica na Europa se abre a esse público e lhe oferece aquilo que é a sua comunidade intelectual. É um programa original, que já existe em algumas instituições dos Estados Unidos da América, mas em muito poucas. E na Europa somos o primeiro a oferecê-lo.”

Há “poucos portugueses” em Florença

A procura para este programa é alta. No último ano houve duas mil candidaturas para apenas 15 lugares. Entre elas estão menos candidaturas de portugueses do que Miguel Poiares Maduro esperava. “Gostaríamos de ter mais portugueses a candidatarem-se a esse programa, embora saiba que isso também depende de as suas instituições de origem os dispensarem durante de três meses a nove meses para virem aqui.” E essa perspectiva a curto prazo na política portuguesa é bastante criticada pelo antigo governante.

“Enquanto tivermos uma política que valoriza o curto prazo e o imediato e que tem uma mais-valia comunicacional óbvia, menos vamos valorizar o que está a montante. Investir na qualidade e na avaliação de políticas públicas são coisas que normalmente não têm impacto e retorno imediato para os políticos. Passa pelos políticos da nossa classe política, e também pelos jornalistas, compreenderem isso”, critica o antigo professor de Direito em Yale. E dá exemplos de políticas públicas portuguesas que foram um sucesso a nível internacional: a inclusão de imigrantes e a política de combate ao consumo de droga. “Se pensarmos o que essas políticas têm em comum, concluímos que em primeiro lugar nunca foram objecto de uma divisão ideológica partidária forte, e isso sempre deu alguma tranquilidade e estabilidade no desenvolvimento dessas políticas públicas”, mas, sublinha, por outro lado, são “assentes no conhecimento e no desenvolvimento de massa critica, na existência de especialistas que tiveram tempo e que estruturaram a sua abordagem”.

“É isso que nós temos de conseguir em muitas outras políticas públicas. Devíamos pegar nesses dois exemplos para perceber a importância de valorizar o método na política.”

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