O que tem uma banda chamada Capitão Fausto?

Esta sexta-feira é editado o novo álbum, A Invenção do Dia Claro. Antes, andámos com eles na estrada para perceber de que se faz a banda que acertou novamente no imaculado alvo pop.

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Tudo é igual, sendo outra coisa. Das janelas do quarto que serve de camarim naquele 21 de Fevereiro, vê-se a baixa de Coimbra e desenham-se as ruas estreitas da Baixinha iluminadas pelo sol. No andar abaixo, no Salão Brazil, tudo está preparado. O material está montado no palco e os instrumentos aguardam os músicos que, sentados em cadeiras, deitados no chão, esparramados na cama, gastam o tempo. Domingos Coimbra, baixista, e Francisco Ferreira, teclista, de mãos em pequenas consolas, o guitarrista e teclista Manuel Palha a expandir um império num jogo de estratégia, o vocalista, guitarrista e teclista Tomás Wallenstein e o baterista Salvador Seabra a ouvirem riffs metaleiros que Peres, roadie para estes dias e amigo desde a infância, lhes mostra no telemóvel. Tudo é igual ao dia que passou ontem nesta segunda fase da digressão Até Que Enfim!, que levou os Capitão Fausto a sete cidades, antecipando em pequenas salas a edição esta sexta-feira, 15 de Março, do seu quarto álbum, A Invenção do Dia Claro.

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Os Capitão pesam a vida, deixam-se trespassar por ela e transformam-na em canção que a sublime. Trabalham afincadamente enquanto, descontraidamente, vêem a vida acontecer fotos paulo pimenta

Tudo é igual, portanto, na vida de uma banda em digressão. Há-de chegar o jantar e, nele, as histórias que se recordam e os jogos que se inventam, há-de haver, em Coimbra, como antes em Aveiro, uma corrida rápida ao café, neste caso o histórico Santa Cruz, para abastecer a banda de tabaco. Há-de chegar a momento de concentração antes da subida a palco, as luzes hão-de acender-se quando os músicos irrompem sala dentro, o público manifesta-se com gritos e aplausos, arranca a primeira canção. Tudo é igual, sendo outra coisa.

No Salão Brazil, o piano de cauda ali disponível foi prontamente adoptado por Tomás Wallenstein, o que dá outra solenidade a Amor, a nossa vida, uma das novas canções. No Salão Brazil, mal a linha reverberante da guitarra anuncia Corazon, o público entoa a melodia e salta e dança quando o ritmo se intensifica, fazendo oscilar a madeira do chão da sala. A audiência reagirá com empatia aos percalços técnicos, resolvidos com descontracção e bom humor, o rapaz muito alto à nossa frente rodopia o cabelo comprido enquanto Salvador Seabra se entrega a um solo de bateria, antecâmara de um improviso inspirado de blues-rock “psicadelizado”.

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Ouvem-se canções que todos parecem conhecer a peito – Febre, Teresa, Morro na praia, Tem de ser -, ouve-se alguém num curto intervalo de silêncio, concerto a aproximar-se do fim, fazer eco do que os sorrisos à nossa volta pareciam dizer: “Vocês são fixes!”. Sim, são fixes os Capitão Fausto. E são mais que isso. São, por exemplo, uma banda que sabe perfeitamente o que fazer num palco. Que sabe perfeitamente como fazer diferente nestes dias eternamente renovados de uma banda em digressão. Uma banda que, desde a estreia há oito anos, com Gazela, foi crescendo e transformando-se musicalmente, chegando a mais gente e cativando mais ouvidos sem que, na verdade, reconheçamos aqueles cinco como diferentes do que eram então, ou seja, pessoal que vive de e para a música, eternamente fascinado pela sua história, pelo labor criativo, por essa magia indefinível que nasce quando todos os elementos se conjugam numa canção.

Nove anos depois de falarmos com eles pela primeira vez, quando passaram de  promissores a nome imprescindível, popular e muito respeitado do cenário musical português, dizem-nos assim, pela voz do baixista Domingos Coimbra: “Independentemente do que esteve para trás, o desafio do dia seguinte é perceber como tornar a música melhor”. Dizem-nos assim, a palavra a Tomás Wallenstein: “Se isto é o nosso trabalho, temos, mais que nunca, que fazer o melhor possível. Não o que vá agradar a mais pessoas, nem o que nós imaginamos que seja mais eficaz, mas o nosso melhor”.

O melhor deles, chegados a 2019, são as oito canções novas acabadas de editar. É o charme e a total ausência de deslumbramento com que lidam com esta criação chamada Capitão Fausto. Foi isso o que testemunhámos no par de dias em que fomos acolhidos no seu seio. Dias iguais, sendo sempre outra coisa (e isso é parte do segredo e falamos, não só do quotidiano de uma banda em viagem, mas também daquilo que a banda canta).

Gastar o tempo a cantar

“Comprei um livro de filosofia. Filosofia é a ciência que trata da vida; era justamente o que eu necessitava – pôr ciência na minha vida. Li o livro de filosofia, não ganhei nada, Mãe!, não ganhei nada. Disseram-me que era necessário estar já iniciado, ora eu só tenho uma iniciação, é esta de ter sido posto neste mundo à imagem e semelhança de Deus. Não basta?”. Um século separa-nos destas palavras. Um século nos separa d'A Invenção do Dia Claro que Almada Negreiros publicou em 1921 e, noventa o oito anos bem contados depois, parece claro que continua nossa e comum essa iniciação única de sermos postos no mundo.

Faço as vontades para agradar à minha mãe/ Eu sei que é tarde para fazer a coisa bem/ Eu sei que é tarde, minha mãe/, Mas, mãe, eu sou assim”, confessa-se então um século depois. “Tantas modas que eu segui, mas eu nunca mudei”, canta Tomás Wallenstein em Faço as vontades, uma das canções de A Invenção do Dia Claro, título do álbum, resgatado a Almada Negreiros, que a banda lisboeta edita esta sexta-feira. Há coisas que não mudam e estas vontades que cantam os Fausto são uma delas. A iniciação está lá atrás, a iniciação marca tudo o que se seguirá e os Capitão Fausto avançam, pop como só eles sabem ser.

Tomás conheceu o livro de Almada quando acompanhou a irmã, a actriz Catarina Wallenstein, em algumas sessões de leituras (Catarina que ouvimos nos coros do novo álbum, juntamente com Constança Rosado e Madalena Tamen). “Quando nos deparámos com o título, achei que, além de encaixar muito bem com o que estávamos a fazer [na banda], partilhava algumas ideias parecidas”, diz o vocalista, desenvolvendo: “é esta coisa do que significa uma pessoa trabalhar para o seu dia-a-dia e descobrir entusiasmo e alegria à medida que os dias vão passando”. O guitarrista Manuel Palha intromete-se. “Temos os nossos problemas, as nossas coisas, os erros contínuos que insistimos em cometer, mas no fim acabamos com um ‘não me posso queixar muito, não posso estar sempre bem’. Chamemos-lhe um conformismo positivo”, sorri. Chamemos, mas não apliquemos ao conformismo a carga negativa que lhe atribuímos habitualmente.

Os Capitão pesam a vida, deixam-se trespassar por ela e transformam-na em canção que a sublime. Trabalham afincadamente enquanto, descontraidamente, vêem a vida acontecer. Hoje, como há um século, como há dois ou três, alguém algures poderia chegar à seguinte conclusão, assim exposta em verso: “Trabalhar nunca me fez bem nenhum / mas é melhor que ver o tempo a passar / atrasado faço mais um refrão / ao menos vou gastar o tempo a cantar”. Esta não foi Almada que escreveu. Foram os Capitão Fausto que entoaram no álbum que os transformou, definitivamente, em banda obrigatória no presente pop português. Morro na praia, assim se intitula a canção, abria esse álbum.

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Editado em 2016, Capitão Fausto Têm os Dias Contados foi, à uma, confirmação e revelação. Confirmação dos cinco como banda habilíssima na gestão e manipulação da matéria de que é feita a pop, o rock e seus afluentes. Revelação desse mesmo conjunto de músicos como inspiradíssimos artífices da canção e, mais que isso, como alguém capaz de pôr em versos e refrões a vida que fervilha, que inebria, que atemoriza – a de nós com os outros, a que nos assalta e revolve o íntimo. “A cada esquina de Dias Contados, emergem dúvidas, inseguranças, planos que saem furados, aceitação hesitante de um destino, tudo embrulhado em canções saídas de um pop idílica”, escrevíamos em 2016 sobre esse portento em que as porções psicadélicas e o rock divagante, componentes de Gazela (2011), o álbum de estreia, e de Pesar o Sol (2014), o segundo, ficaram definitivamente postas de lado.

“O fim é a canção, portanto, tudo o resto é indiferente”, diz o baixista Domingos Coimbra ao Ípsilon. “O ego principal é a própria banda”, acrescenta Tomás Wallenstein. Mais tarde, debruçando-se sobre o que escreveu para cantar em A Invenção do Dia Claro, dirá: “Apesar de ser directamente sobre uma relação amorosa entre duas pessoas, é mais abrangente do que isso. São relações humanas, entre quem quer que seja”. Estamos com os Capitão Fausto numa sala do hotel em Aveiro, a cidade em que tocaram dia 20 de Fevereiro. Tal como haviam feito por altura de Pesar o Sol, antecederam a edição de um novo álbum com uma digressão. Fomos com eles até Aveiro, onde actuarem no Avenida Café Concerto, e a Coimbra, onde chegaram no dia seguinte. Fomos com eles para os descobrir melhor, para sentir o pulsar dessa banda que acertou tão magistralmente em Têm os Dias Contados e que continua a acertar neste A Invenção do Dia Claro que agora lhe sucede. Fomos vê-la, à banda que não sabe o que é isso do estrelato, a banda que é verdadeiramente família, a banda que, egos esbatidos ao serviço desse bem maior que é a canção, letras sintonizadas com a vida que é a deles, hoje, agora, põe uma multidão a cantar com eles os refrões – assim em Aveiro, assim em Coimbra – e a abordá-la como comparsas, pessoal próximo, amigos que falam daquilo que lhes interessa em pedaços de música que carregarão tatuadas na vida.

Fomos com eles. A carregar o material na carrinha e a descarregar o material sala dentro. A viajar na carrinha, quilómetros galgados entre paisagens que conhecem bem, que Portugal é pequeno e os Capitão Fausto já o percorreram várias vezes. A vê-los e ouvi-los, com as canções de quatro álbuns no palco e com os ouvidos postos no A Invenção do Dia Claro agora editado, álbum iniciado em Portugal, fermentando em São Paulo, no Brasil, terminado no quartel-geral da banda, o estúdio que criaram no bairro lisboeta de Alvalade. Fomos vê-los na vida que escolheram. Na vida que escolheram cantar (assim fica melhor).

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Nove mais carga com doce da casa

No final de 2017, soubemos novas dos Capitão Fausto. Estavam a caminho de São Paulo para gravar com músicos locais nos Red Bull Studios da cidade. Tendo em conta o contexto, ou seja, o facto de terem saído de um momento de explosão mediática e celebração criativa que pôs Têm os Dias Contados em praticamente todas as listas de melhores do ano portuguesas e que lhes preencheu a agenda de concertos como nunca antes, pensou-se que os Capitão Fausto partiam para se afastarem da loucura à sua volta e procurarem novos estímulos criativos. Pensar isso, no entanto, seria não os conhecer bem.​

Falamos de tudo aquilo, mas Tomás Wallenstein não se deixa impressionar. “A grande diferença que fomos notando foi termos muito mais concertos marcados e, portanto, conseguirmos trabalhar muito mais. Nesse seguimento, decidimos começar a fazer um disco novo, começámos e por aí fora”. Perguntamos pelo que mudou com o novo estatuto, com o estrelato pop a que ascenderam, e eles riem. “O nosso estrelato é o nove mais carga”, dispara Tomás Wallenstein – fala da tipologia das carrinhas que alugam para as digressões. “Aos olhos de um nome gigante de popularidade português, um Piruka ou uns Wet Bed Gang, nós somos anónimos”, atalha Francisco Ferreira. “Há muitos artistas da nossa geração que são gigantes e que têm uma vida de estrelato bastante diferente”, continua Domingos. “A nossa é uma coisa incrível e não a trocava por nada, é feita pelos miúdos e pessoas interessadas que nos seguem ao longo dos anos e que querem genuinamente saber o que andamos a fazer. Isso dá pica. Esse lado de culto, diria, faz com que seja uma vida de sub-estrelato, nove mais carga”.

Chegaram ao Brasil com os ouvidos cheios de Cartola, Raul Seixas, Tim Maia ou Paulinho da Viola. “Não queriam ‘imitar’, mas antes ‘captar’ a ideia de Brasil, com o ‘modo europeu’ de fazer as coisas, sem ‘perverter’ a linguagem que aprimoraram nos três discos anteriores”, escrevíamos na entrevista que lhes fizemos no regresso. Levavam já preparadas de Portugal as canções que compõem A Invenção do Dia Claro. No Brasil, deixaram-se contaminar, chamando até si músicos como Geremias Tiófilo Júnior, cujo sopro de saxofone irrompe, contagiante, em Certeza, Eduardo Pereira ou Gabriel Peregrino, que com cavaquinho e percussão, respectivamente, dão um travo luminoso, com toda a intenção e sábia discrição, à maioria das canções do álbum. O Brasil ficou como textura a contribuir para aquilo que é, por comparação com a intrincada composição do seu antecessor, um álbum mais solar, mais declaradamente pop (e até soft-rock), com alusões a paragens tropicais nas Caraíbas sugeridas em Boas memórias ou no sorriso de Rita Lee a espreitar em Lentamente. “Não fomos ao Brasil propriamente à procura de novas coisas, mas irmos ao Brasil trouxe-nos novas ideias”, diz Salvador Seabra. “Só a vivência lá, completamente diferente de estar em Portugal, tem influência, mas não no sentido de ‘isto agora tem que ser mais brasileiro’”, completa Manuel Palha. “Isso entrou, mas de forma inconsciente”.

Antes do Brasil, houve o habitual retiro em Vascões, na casa perdida no meio do Minho dos pais de Manuel Palha que tem funcionado como espaço de composição. Chegados do Brasil, muito havia ainda a fazer. No Brasil, resume Tomás Wallenstein, “trouxemos os músicos, gravámos tudo, preparámos o sumo”. Cá, “fizemos o corte e costura”, num processo cuidado, lento, aprimorando cada pormenor ao máximo para atingir o momento em que tudo soa exactamente ao que a canção exige. “Procuramos o ponto em que a música se torne uma canção, que viva e respire como deve viver e respirar uma canção”, resume Manuel Palha. Entregaram-se a esse labor no estúdio do bairro lisboeta de Alvalade que funciona como sede da banda e da editora/promotora que fundaram há alguns anos, a Cuca Monga (é lá que editam, por exemplo, os seus projectos paralelos, Os Modernos, Bispo e El Salvador). Na manhã de 20 de Fevereiro, foi lá que marcámos encontro.

Encontramo-los a tentar encaixar todas as caixas de material, qual Tetris em escala humana, na traseira da carrinha. Assim se ultimam os preparativos para quatro dias na estrada. Manuel Palha lá em cima a dirigir as operações, arranjando espaço para caixas de bombos, amplificadores, ferragens, sintetizadores, guitarras e cablagem, ajudado por Ricardo Coelho, o tour manager que também conhecemos dos palcos enquanto vocalista dos Loto ou, mais recentemente, nos Cavaliers of Fun. Do estúdio para a carrinha, do chão para a bagageira, continua o inefável Peres, amigo de muito longe no tempo (há fotos antigas com os pré-Fausto, miúdos adolescentes, e ele na primeira fila de um concerto de Metallica). Peres, ou seja Gonçalo Perestrelo, que continua a ter nos Metallica a sua banda preferida, é também poeta com obra publicada. Agora anda atarefado a carregar caixas para uma carrinha, no dia anterior apresentara no Bairro Alto o seu livro, Crepitam as Palmeiras, publicado pela livraria/editora Flâneur – o design de capa é de Francisco Ferreira e Tomás Wallenstein leu alguns poemas durante a apresentação (sim, os Capitão Fausto são mesmo obra familiar).

A carrinha arranca e a banda discute se no final da digressão regressará logo a Lisboa ou se pernoitará em Torres Vedras, cidade da última data, para aproveitar os festejos pré-Carnaval. A carrinha pára pouco depois para recolher o membro da equipa em falta, Nuno Roque, o técnico de som que os acompanha habitualmente. Tudo igual, tudo outra coisa. Francisco Ferreira põe o casaco sobre a cabeça e dobra o tronco no banco para imersão total no jogo da consola. Ricardo Coelho, Tomás Wallenstein e Manuel Palha, nos bancos da frente, cuidam da banda sonora. Salvador Seabra fala connosco sobre como a vida rock’n’roll não é como contam revistas dedicadas a lendas do passado. Ninguém comprará Rolls Royce ou ilhas no Pacífico. No caso dos Capitão Fausto, vivem da música desde Têm os Dias Contados - “mas eu partilho casa com o Tomás e o Domingos”, acrescenta. E se 2017, na sequência da edição desse álbum, lhes garantiu muito trabalho, há sempre que garantir um tempo de pousio após períodos de grande actividade. “Não podemos tocar nas mesmas cidades duas, três, quatro vezes seguidas, caso contrário o público cansa-se e deixa de vir”. Isto, atente-se, é uma constatação, não é um queixume. “Esta foi a vida que eu escolhi. Escolhi o caminho do doce da casa”, junta-se à conversa, bem-humorado Domingos Coimbra. O que diz é uma expressão recorrente nos Capitão Fausto. “Andamos por aí na estrada, metidos na carrinha, às vezes paramos para comer qualquer coisa em restaurantes horríveis, mas depois chega o momento da sobremesa, dizem-nos que há doce da casa e abre-se logo um sorriso”. Esta foi a vida que eles escolheram e, com doce da casa, tudo vale a pena (e concertos a chegar, e discos para gravar e editar).

Um terraço iluminado

No Avenida Café Concerto, em Aveiro, a hora do concerto aproxima-se. Os Capitão Fausto estão no camarim que é sala ampla, quase um piso inteiro decorado com motivos de teatro infantil, entre castelos e nuvens brancas no céu azul. Um trago numa bebida mais forte, um acerto no alinhamento, descontracção no sofá. “Cinco minutos”, avisa Ricardo Coelho. Sala esgotada à espera (todos estiveram esgotadas na digressão).

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Ei-los que chegam e pouco demora a perceber-se que será concerto ganho, com interpretações sem mácula seguidas com toda a atenção e compostura – nesse sentido, foi um contraste com a alegre rebaldaria do actuação em Coimbra. Foi concerto ganho pelas canções dos álbuns anteriores e pelas canções do novo álbum que o público parece já ter adoptado – à nossa volta, não falta quem cante as novas letras, palavra a palavra. Alvalade chama por mim chegou em encore, deixando a ecoar um verso famoso: “nunca esquecer que a mocidade para nós chegou ao fim”. E é a mocidade que o pressente que está ali com eles, depois do concerto, a pedir para autografar uma t-shirt ou um disco, a chamá-los para uma foto. Nada de pose, tudo muito natural, que os músicos são as estrelas, mas estes não são estrelas exactamente. Parecem demasiado próximos e acessíveis para isso.

Começam a alinhar o material para transportar tudo novamente para a carrinha. Estão quase a despedir-se da cidade. Depois chegará Coimbra, em seguida Leiria, e tudo acabará em Torres Vedras. Nessa altura, será tempo de aguardar pela edição de A Invenção do Dia Claro, que terá apresentação oficial em Abril, nos dias 4 (Casa da Música, no Porto) e 6 (Capitólio, em Lisboa). Por agora, porém, estamos ainda em Aveiro.

O terraço está iluminado pela luz nocturna dos candeeiros de rua e a avenida vazia na madrugada. Depois da agitação em palco e na plateia, depois da algazarra feliz do encontro entre os músicos e quem os veio ver, há um cigarro, um copo na mão, uma madrugada silenciosa num terraço com vista para a rua vazia. No andar abaixo, os instrumentos aguardam os braços que, depois de os terem tocado, os carregarão para a carrinha. Amanhã recomeça tudo novamente. É a vida que os Capitão Fausto escolheram. Na manhã seguinte, céu azul e temperatura amena, o dia nasceria claro.

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