A (in)conveniente passagem de secção do juiz Neto de Moura

Impõe-se uma intervenção firme do Conselho Superior da Magistratura, que reponha a confiança na Justiça, pilar sobre o qual se ergue o regime democrático que tanto prezamos.

Li no jornal PÚBLICO que o juiz Neto de Moura, cujas polémicas e inenarráveis decisões sobre violência doméstica provocaram um justificado clamor num país onde morreu, no dia 6 de Março, a 11.ª vitima de violência doméstica, já não irá decidir os recursos criminais no Tribunal da Relação do Porto.

Conforme referiu o senhor presidente da Relação do Porto, Dr. Nuno Ataíde das Neves, a passagem de Neto de Moura de uma secção criminal para uma secção cível foi ditada por uma questão de “conveniência de serviço”, com o intuito de “preservar a confiança dos cidadãos no sistema de Justiça”.

Esta transferência do juiz Neto de Moura da secção criminal para a secção cível fez-me pensar, de imediato, nas inúmeras transferências entre paróquias que a Igreja Católica promoveu, ao longo dos últimos anos, para camuflar os casos de pedofilia denunciados.

Ressalvadas, para os devidos efeitos, as notórias diferenças entre os comportamentos em causa, a verdade é que, à semelhança do que se passou no seio da Igreja Católica, também agora se optou por uma cómoda transferência de secção, em vez de sujeitar os actos praticados pelo referido magistrado, no exercício das suas funções, ao escrutínio do Estatuto dos Magistrados, previsto na Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, com destaque para os artigos 81.º e 82.º que regulam a responsabilidade disciplinar dos magistrados.

Na verdade, se há razões para temer que os actos do juiz Neto de Moura ponham em causa a confiança dos cidadãos no sistema de Justiça, não será, certamente, a passagem para a secção cível do Tribunal da Relação do Porto que a poderá repor.

Desde logo, porque na secção cível também podem ser apreciadas acções de responsabilidade civil relacionadas com a violência doméstica, a violação de direitos de personalidade e, naturalmente, a violação de deveres conjugais, entre os quais, o dever de fidelidade. Como é de conhecimento público, a violação deste dever foi justificação suficiente para o juiz Neto de Moura desculpabilizar uma agressão violenta com uma moca de pregos no celebre acórdão sobre a mulher adúltera.

As interrogações em torno da capacidade do juiz Neto de Moura para exercer a magistratura, solidamente instaladas na opinião pública, não se dissiparão, apenas, com esta mudança conveniente de secção, continuando a minar a credibilidade do aparelho judicial e do próprio magistrado.

Impõe-se, assim, para defesa do sistema judicial e do magistrado Neto de Moura, uma intervenção firme do Conselho Superior da Magistratura, que reponha a confiança na Justiça, pilar sobre o qual se ergue o regime democrático que tanto prezamos.

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