Deve-se obrigar os médicos internos a permanecer no SNS?

A obrigatoriedade da permanência dos médicos internos no Serviço Nacional de Saúde após a conclusão da sua formação seria um prolongar deste período de fragilidade, em que como trabalhadores não podem rejeitar as más condições de trabalho que lhes são impostas.

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Paulo Pimenta

Após as recentes declarações dos representantes dos enfermeiros, descrevendo os médicos internos como não médicos, bem como da entrevista da Ministra da Saúde no Jornal das 8 da TVI a 4 de Fevereiro, em que foi discutida a possibilidade de obrigar os médicos a permanecer no Serviço Nacional de Saúde (SNS) de forma a serem compensados os seus custos de formação, importa esclarecer no que consiste a formação médica, quais são as responsabilidades dos médicos internos, bem como a justiça desta eventual obrigatoriedade.

A formação académica médica consiste no mestrado integrado em Medicina com a duração de seis anos. Os custos associados a este período apresentados pela Sra. Ministra consistem em cem mil euros por aluno.

Após o término do mestrado, os médicos têm de concluir um ano de formação geral. Durante este período são integrados nas equipas médicas dos serviços onde estagiam, ocupando reais lugares de trabalho. São, segundo a Ordem dos Médicos, renumerados em termos líquidos em cerca de 1093,37 euros por mês. Relativamente a este período o custo de formação apresentado pela Sra. Ministra foi de 15 mil euros, o que corresponde de forma aproximada ao valor total dos salários do médico durante este período.

O internato de formação específica é a fase seguinte. Este período, com quatro a seis anos de duração, corresponde a uma fase em que o médico se vai progressivamente diferenciando numa área restrita da medicina e em que vai assumindo maior responsabilidade dentro das equipas a que pertence. Segundo as recomendações da Ordem dos Médicos no que se refere ao trabalho em urgência, um médico interno pode, a partir de um determinado período, ser o médico mais diferenciado em presença física no hospital, dentro de uma qualquer especialidade, pelo que estes médicos são indispensáveis ao funcionamento do SNS, não sendo atribuídos custos a este período de formação.

É de notar que um médico interno que esteja descontente só pode trocar de hospital se desistir do internato médico e reiniciar a sua formação. Esta dificuldade em trocar de local de trabalho priva os médicos internos de uma real capacidade de contestação, já que acabam por estar muito dependentes dos seus superiores.

A obrigatoriedade da permanência dos médicos internos no SNS após a conclusão da sua formação seria um prolongar deste período de fragilidade, em que como trabalhadores não podem rejeitar as más condições de trabalho que muitas vezes lhes são impostas e que como tal têm resultado no abandono de muitos médicos do SNS.

Contudo, como vimos, a formação específica de um médico interno não tem custos para o Estado. No que se refere à formação geral, o custo proposto de 15 mil euros por médico consiste simplesmente no seu salário anual líquido, não tendo em conta o seu real trabalho e contributo para os serviços onde estagia. Desta forma resta apenas analisar o custo de cem mil euros da formação académica propriamente dita.

Segundo a Sra. Ministra da Saúde, a taxa de retenção de médicos no SNS é superior a 80%. Em que outro curso ministrado nas universidades públicas portuguesas é que 80% dos alunos fica a trabalhar para o Estado português? Salvo raras excepções, a maioria dos alunos das universidades públicas portuguesas não fica a trabalhar para o Estado após a conclusão da sua formação.

Não parecem existir assim argumentos que suportem a obrigatoriedade dos médicos internos permanecerem no SNS após a sua formação, contudo não faltarão por certo defensores de medidas facilitistas como esta.

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