O caso que deitou a confiança por terra

Há seis anos, Edward Snowden revelou práticas de cibervigilância em larga escala por parte dos EUA. O mundo não voltou a olhar para o telemóvel da mesma forma.

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Edward Snowden, a participar por videochamada numa conferência NUNO FERREIRA SANTOS

O Facebook tem a reputação de ser o grande agregador de informação pessoal e foi o protagonista de um dos maiores escândalos de uso indevido de dados, quando se soube que a consultora política Cambridge Analytica tinha acedido a informação dos utilizadores e a tinha usado em campanhas políticas.

Porém, antes de tudo isto, já as denúncias de Edward Snowden sobre a máquina de cibervigilância dos EUA tinham demonstrado o poder das tecnologias de informação para amealhar dados, naquele que foi o primeiro grande embate da opinião pública com os riscos de privacidade num mundo digital e hiperconectado.

Edward Snowden tinha uma vida confortável a trabalhar como informático para a Agência Nacional de Segurança dos EUA quando, em 2013, decidiu apanhar um avião para Hong Kong e fechar-se num hotel. Consigo, levava milhões de documentos que detalhavam ferramentas e programas americanos de cibervigilância. Passou a informação a jornalistas e a magnitude do caso, revelado ao longo de vários meses de notícias sucessivas, surpreendeu e indignou o mundo.

A Agência Nacional de Segurança – por vezes, em parceria com congéneres de outros países, incluindo do Reino Unido – tinha espiado muitos milhões de cidadãos americanos e estrangeiros, muitas vezes sem o consentimento de um tribunal. A agência guardava informações sobre chamadas telefónicas e mensagens enviadas – são os chamados metadados, que incluem informação como o local, a hora ou a duração de um telefonema. Também tinha acesso a emails, actividade em redes sociais, bem como ao histórico de sites consultados e ainda a informação sobre o uso de aplicações móveis.

Em milhões de casos, a NSA armazenava mesmo o conteúdo das comunicações, entre o qual conversas privadas, num acervo que o Washington Post, um dos jornais envolvidos a investigação com base nos documentos de Snowden, classificou como “surpreendentemente íntimo”.

Muita da informação que permaneceu nos servidores da agência mesmo após ter sido considerada inútil.

A cibervigilância estendeu-se a governantes e chefes de Estado, incluindo de países aliados dos EUA, num embaraço diplomático para o Presidente americano na altura, Barack Obama. Na lista dos políticos estrangeiros cujos dados dos telefonemas foram registados estava a chanceler alemã, Angela Merkel, e a então Presidente brasileira, Dilma Rousseff.

Em Setembro de 2013, um relatório encomendado pelo Parlamento Europeu indicava que os cidadãos da União Europeia estavam desprotegidos face às práticas de ciberespionagem americana.

Muitos gigantes tecnológicos acabaram envolvidos no escândalo quando foi noticiado que as autoridades americanas tinham acesso aos dados dos utilizadores dos serviços da Microsoft, Google, Facebook, YouTube e Apple, entre outros. As empresas negaram estar a cooperar com os programas de vigilância e vários executivos reuniram-se com Obama. Na altura, Mark Zuckerberg afirmou estar “frustrado” com a postura da administração americana e criticou a demora de Obama a resolver o problema: “Infelizmente, parece que levará muito tempo até ser feita uma verdadeira reforma”.

Já no ano passado, numa entrevista ao jornal britânico The Guardian, Snowden traçou, a partir do seu exílio na Rússia, um retrato pessimista, mas com alguma esperança, sobre o mundo após o escândalo de 2013: “O governo e o sector empresarial aproveitaram-se da nossa ignorância. Mas agora sabemos. As pessoas sabem. As pessoas ainda não têm capacidade para parar isto, mas estamos a tentar. As revelações tornaram a luta mais equilibrada.”

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