Ano eleitoral (5): a "geringonça" de direita

O cenário mais provável é uma direita algo abaixo dos seus números de 2015, onde os novos partidos vão evidentemente atrair eleitores do PSD e do CDS, mas sem alargar a base eleitoral de apoio no seu conjunto.

1. Esta é a minha última entrega da prometida sequência de cincos artigos sobre o ano eleitoral. Nos primeiros artigos, fez-se uma revisão dos números e das tendências estatísticas. Na quarta entrega, observei o desgaste do regime (quer no decréscimo da participação eleitoral, quer no aumento sustentado do voto nos pequenos partidos, brancos e nulos) que a sofisticada comédia dos enganos pretende ocultar, eliminado aquilo a que chama a perigosa oposição inorgânica. Neste último artigo, proponho uma reflexão sobre uma possível "geringonça" de direita, isto é, sobre a capacidade do PSD, do CDS, do Aliança e de outros novos partidos da direita inverterem a atual tendência, refutar as sondagens e obter uma maioria de 116 deputados a 6 de outubro. Há duas questões distintas do meu ponto de vista – um problema meramente matemático, tendo em conta a geografia e a sociologia eleitorais, e um dilema político.

2.Comecemos pelas tendências. Do primeiro artigo, sobre as eleições para o Parlamento Europeu, sabemos que a direita parte do pior resultado da sua história em mandatos, votos e percentagem (a 2 de fevereiro último, o jornalista do Observador chamava ao pior resultado eleitoral em 45 anos uma derrota com sabor a vitória). As incógnitas neste momento são: (i) fica o conjunto dos partidos da direita significativamente acima do milhão de votos de 2015 (teve quase 1,5 milhões de votos há dez anos)?; (ii) a distribuição do milhão e pouco de votos que as sondagens apontam favorecerá o PSD (que sozinho nunca ficou abaixo do milhão de votos), o CDS (ultrapassando os tradicionais 300 mil votos) ou os novos partidos (que precisarão cada um de qualquer coisa como 120 mil votos para eleger o seu cabeça de lista)?. Em conclusão, nas eleições de maio, ou a direita no seu conjunto fica muito acima dos resultados anteriores, ou os números não somam um bom resultado no seu conjunto.

3. Sobre as eleições legislativas, recorro-me do segundo artigo para reiterar que as eleições de 2019 são paradoxais para a direita. Partindo de um dos seus piores resultados eleitorais em eleições legislativas (apenas 2,1 milhões de votos em 2015, tal como em 2005), a expectativa seria de que só pode subir. Contudo, todas as sondagens apontam para uma perda de outros 300 mil eleitores, indicando que a direita, pela primeira vez em eleições legislativas, pode ficar abaixo dos dois milhões, uma verdadeira derrota histórica. As questões são, pois, as seguintes: (i) conseguirá o CDS chegar aos 650 mil votos (os estudos mais otimistas apontam para uns 500 mil votos)?; (ii) ficará o PSD abaixo dos 1,65 milhões de votos (mínimos históricos, sendo que as sondagens neste momento apontam, nos melhores cenários, para qualquer coisa como 1,3 milhões)?; (iii) conseguirão os novos partidos da direita eleger deputados por Lisboa e Porto, como discutimos no terceiro artigo?

4. Vamos ser otimistas e, ao contrário de todas as sondagens disponíveis, supor que a direita, no seu conjunto, repete os 2,1 milhões de votos de 2015. Dado que se repartem por cinco listas, em vez da lista única de 2015, sabemos que certamente não elegem os atuais 107 deputados, muito provavelmente ficarão em cerca de 90 deputados (o mínimo histórico da direita aconteceu em 2005, com 87 deputados). Longe, muito longe, dos 116 deputados. Para chegar aos 116 deputados, mesmo com uma nova ligeira quebra na participação eleitoral, a direita precisa de 2,6 ou 2,7 milhões votos como em 2002 (um pouco menos se fossem listas conjuntas como sugeriu Pedro Santana Lopes). Onde vão buscar esses votos? Onde estão esses 500 mil eleitores que não votaram Passos/Portas e agora vão votar alegre e massivamente na direita? Opção 1 - Eleitores que fugiram para a esquerda (principalmente para Bloco e PAN, uma vez que para o PS foi uma transferência mínima de votos em 2015). É muito duvidoso que estes eleitores voltem ao PSD (dividido e ameaçado por um regresso passista) e ao CDS (com as mesmas caras do passado) ou mesmo que votem Aliança (que, afinal, até quer fazer uma coligação com os partidos que estes eleitores rejeitaram em 2015) ou nos novos partidos da direita (que, precisamente, elogiam o Governo de Passos). Opção 2 – Abstencionistas. Para além de isso exigir voltar a níveis de participação eleitoral de há vinte anos (coisa muito improvável), não se percebe muito bem o que levaria esses abstencionistas voltarem em 2019 para votar nos partidos velhos, atolados em histórias mal contadas ou em caras que levam 40 anos na política. É possível que a IL ou o Chega, com caras novas e lavadas, possam atrair alguns abstencionistas, mas não no volume necessário de 500 mil votos. Opção 3 – Esquerda, no seu conjunto, perde 800 mil votos para a abstenção e os 2,1 milhões de votos de 2015 geram uma maioria absoluta de mandatos em 2019.  Não é completamente impossível, mas nada indica que isso venha a acontecer.

5. Temos, portanto, que o cenário mais provável é uma direita algo abaixo dos seus números de 2015, onde os novos partidos vão evidentemente atrair eleitores do PSD e do CDS, mas sem alargar a base eleitoral de apoio no seu conjunto. Voltemos a ser otimistas – contra todas as estatísticas, a direita consegue 116 deputados. Vão formar um governo estável a 3, 4 ou 5 partidos? Aí remeto para o segundo volume das memórias do Presidente Cavaco, livro sobejamente elogiado pelos dirigentes da direita. Que diz ele? Narra na primeira pessoa quatro anos de múltiplos revogáveis de Passos e Portas (mais o famoso irrevogável), constantes queixas de vários ministros (o Presidente Cavaco descreve várias vezes como todos se queixavam de todos), curtos-circuitos frequentes nas prioridades governativas. Isto a dois. A cinco, então, seria bonito de se ver. Provavelmente, vamos ser poupados a esse circo em 2019.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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