Segurança Social pagou pensões durante mais de dez anos após morte dos beneficiários

Tribunal de Contas alerta que Estado só conseguiu recuperar 16,7% dos 3,7 milhões de euros pagos indevidamente em 2016 e 2017 a título de pensão de sobrevivência.

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Tribunal de Contas lamenta que o Instituto de Segurança Social, liderado por Rui Fiolhais, não tenha acolhido recomendações feitas anteriormente Miguel Manso

A Segurança Social pagou pensões de sobrevivência durante mais de dez anos após a morte dos beneficiários, num total de 3,7 milhões de euros. O número consta de uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas (TdC)  às prestações por morte do sistema previdencial, onde conclui que o Estado leva muito tempo a suspender estas pensões a pessoas que morreram e, além disso, não consegue recuperar os montantes pagos indevidamente.

A auditoria analisou as prestações por morte (pensões de sobrevivência atribuídas aos viúvos, subsídio por morte e reembolso de despesas de funeral) com o objectivo de perceber se existem sistemas de controlo para prevenir o pagamento indevido, avaliar o registo e confirmação de óbitos e verificar se foram desencadeados processos de recuperação dos montantes pagos indevidamente. A conclusão a que o TdC chega é que os problemas persistem e o Instituto de Segurança Social (ISS) não aplicou as recomendações das auditorias realizadas de 2012 a 2016 à Conta Geral do Estado ou nos relatórios da Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e Segurança Social.

O TdC seleccionou uma amostra de 223 pensões de sobrevivência cessadas em 2016 e em 2017 mais de um ano após a morte dos beneficiários, alertando que o registo dos óbitos na Base de Dados de Pensionistas continua a ser feito “em data muito posterior à data da ocorrência do facto (óbito), protelando o pagamento de pensões de sobrevivência durante vários anos em prejuízo do erário público”.

“A intempestividade no registo do óbito de beneficiários de pensões de sobrevivência, nalguns casos superiores a dez anos, levou ao protelamento do seu pagamento, resultando num prejuízo para o erário público de 3,7 milhões de euros”, lê-se no documento.

Nos casos auditados, a suspensão da pensão demorou seis anos, em média, após a morte dos beneficiários, mas em algumas situações estas prestações continuaram a ser pagar por mais de dez anos. Há ainda casos em que os serviços registaram o óbito, deixaram de pagar outras prestações a que a pessoa tinha direito, mas “manteve-se em pagamento a pensão e sobrevivência por vários anos”.

No contraditório, o ISS atribui as situações mais problemáticas a atrasos na comunicação dos óbitos por parte do Ministério da Justiça. Porém, o TdC nota que que não existe registo na base de dados, nem foi demonstrado em contraditório, em que datas os ficheiros da Justiça chegaram ao ISS e, por isso, não acolheu a justificação.

O TdC alerta ainda que subsistem dificuldades e insuficiências na ligação entre as várias bases de dados da Segurança Social, criando limitações na “rigorosa” atribuição e cessação de prestações sociais “com reflexos no montante de prestações indevidamente processadas e pagas”.

Outro problema prende-se com o facto de não terem sido desencadeados os procedimentos para recuperar a dívida das pensões pagas indevidamente no valor de 1,9 milhões de euros. Na prática, lembra organismo responsável por fiscalizar as contas públicas, o conselho directivo do ISS  e o director do Centro Nacional de Pensões incorrem em “eventual infracção financeira, punível com multa” por “omissão da prática de actos devidos”.

Recuperação de créditos com “reduzida eficácia”

O Tribunal alerta ainda para a “reduzida eficácia” na recuperação de pagamento indevidos. Dos 1,8 milhões de euros registados como dívida quando as pensões cessaram, apenas foram recuperados cerca de 614 mil euros, o que corresponde a 16,7% do total.

No relatório chama-se ainda a atenção para a existência de constrangimentos na instrução de processos de dívida, o que levou a que o número de processos remetidos para cobrança coerciva tenha diminuído de 656 (1,4 milhões de euros) em 2015 para 132 (800 mil euros) em 2017.

Para  o TdC, o ISS revela ainda "incapacidade" para identificar o devedor responsável pela restituição dos valores recebidos indevidamente. O que acontece, refere-se no relatório, é que “parte significativa dos processos de dívida são arquivados, ficando a aguardar o decurso do prazo de prescrição”.

O ISS também apresentou alegações em relação a esta matéria, mas o TdC entendeu que não contrariam as conclusões do relatório. Pelo contrário, “complementam-nas, na medida em que evidenciam que esta área apresenta falhas de controlo”.

O Tribunal deixa várias recomendações ao ministro do Trabalho, Vieira da Silva, para que mande fazer uma auditoria ao sistema de informação de pensões e para que faça chegar ao TdC um relatório com o ponto de situação da implementação das recomendações feitas anteriormente.

Ao ISS, recomenda-se o levantamento de todas as situações de pagamentos indevidos de pensões e a criação de mecanismos de controlo que permitam a suspensão da pensão de sobrevivência no mês seguinte à data da morte do beneficiário e a suspensão em simultâneo da pensão de direito próprio (pensão de velhice, por exemplo) e de sobrevivência (paga ao viúvo ou viúva após a morte do cônjuge ou aos filhos em casos específicos para que não sofram uma redução abrupta de rendimento).

Em 2017, as pensões de sobrevivência representavam cerca de 12% da despesa corrente do sistema previdencial (dois mil milhões de euros).

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