Estaleiros de Viana "foram alvo de corrupção", acusa presidente da Empordef

Azeredo Lopes chegou a admitir a continuidade da holding que gere as participações do Estado nas indústrias de Defesa.

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João Pedro Martins Nuno Ferreira Santos
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Presidente da Empordef ouvido na comissão de defesa Nuno Ferreira Santos

Esta quarta-feira, numa audição na Comissão Parlamentar de Defesa, falou-se do passado e do presente da Empordef, a holding que gere as participações do Estado nas indústrias da Defesa. João Pedro Martins, nomeado para presidir à liquidação daquela empresa em Setembro de 2017 pelo então ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes, não se referiu, apenas, às empresas que hoje estão no perímetro da holding.

Abordou outros casos, que já levaram à privatização dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) e que são agora geridos pela Martifer, num processo desencadeado pelo Governo de Pedro Passos Coelho, com José Pedro Aguiar-Branco à frente da pasta da Defesa Nacional.

Sobre os Estaleiros Navais de Viana do Castelo revelou a entrada nos cofres da Empordef de 5,7 milhões de euros resultantes da venda das 15,7800 toneladas de aço enviado por Caracas para a construção de dois asfalteiros, encomenda nunca concretizada. O material, explicou, estava amontoado, de forma indiferenciada, e quando se adivinhava a sucata como o seu destino, a venda ordenada permitiu aquele encaixe.

A não construção dos barcos para a Petróleos da Venezuela, PDVSA, levou a negociações com os sul-americanos e, foi nesta fase de balanço de contas, que o economista fez revelações. Assim, o aval de ajudas do Estado aos estaleiros a ser enviado para Bruxelas, para que as instâncias comunitárias decidissem da sua conformidade, tinha uma curiosa singularidade. "Alguém mandou duplicar o aval das ajudas do Estado, o que corrigi”, disse. Esta duplicação, dobrando o montante, podia fornecer argumentos para travar a continuidade dos Estaleiros de Viana do Castelo na esfera do Estado, favorecendo outras soluções, como a privatização.

Em comunicado de 7 de Maio de 2015, a Comissão Europeia concluiu que o apoio público de cerca de 290 milhões de euros aos ENVC não era compatível com as regras da União Europeia. Pouco mais de um mês depois, a comissária Margrethe Vestager, em resposta a uma questão dos euro deputados João Ferreira e Cristina Zuber, do PCP, faz uma reflexão sobre a posição do Governo português, do executivo de Passos Coelho. Afirma que as autoridades portuguesas não invocaram o articulado que permite a qualquer Estado-membro poder tomar as medidas que considere necessárias "à protecção dos interesses essenciais da sua segurança e que estejam relacionadas com a produção ou o comércio de armas, munições e material de guerra". Os estaleiros tinham como cliente a Armada portuguesa. 

“Os estaleiros de Viana do Castelo foram alvo de corrupção e vou-me ficar por aqui”, afirmou. A questão não está fechada. “Há questões que estão a ser acompanhadas noutra esfera, a criminal”, para onde transitaram os elementos que enviou.

Das suas declarações, ficou a saber-se que o ex-ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes, admitiu o regresso da Empordef à actividade. “Azeredo Lopes admitia que o regresso da empresa à actividade estava a ser considerado”, disse o economista. Contudo, em recente entrevista ao PÚBLICO, o actual ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, foi claro ao confirmar que o processo de liquidação da Empordef está em curso. O que parece uma mudança de posição.

No entanto, o actual titular da Defesa não pôs de lado o interesse do Estado no sector industrial da Defesa, considerando que “as circunstâncias de hoje, 2019, são bem diferentes das de 2015, para além de haver um Governo com uma orientação diferente e uma filosofia de fundo diferente sobre a relação do sector privado com o Estado.”

A este propósito, o ministro anunciou estar a ser montada no seu gabinete uma equipa com representantes dos três ramos das Forças Armadas e da orgânica do seu Ministério com o sector privado e outras entidades do Estado, como os ministérios da Economia e Ciência. O objectivo, referiu, é a participação nos projectos de Cooperação Estruturada de Defesa. Sem se referir, concretamente, a estes planos, o presidente da Empordef, que foi assessor económico no gabinete de Azeredo confirmou “que o ministro da Defesa Nacional [actual] está muito empenhado e creio que vai apresentar projectos”. Quanto Empordef, a holding não deverá ter mais de oito semanas de vida.

Em teoria, o economista já revelara existirem possibilidades da sua continuidade, desde a reestruturação do grupo à passagem das acções de sociedades âncora para uma sociedade gestora de participações sociais. Pois há um conjunto de empresas da Empordef que no processo de liquidação não são dissolvidas ou liquidadas e continuam em actividade.

O que levou à audição do economista João Pedro Martins, a pedido do Bloco de Esquerda, foi uma sua declaração sobre as condições que levaram à resolução do Conselho de Ministros de 2014 de liquidação da Empordef, subscrita pelo então vice-primeiro-ministro, Paulo Portas. Entre as quais a que estabelece que as sociedades com capitais próprios negativos em três anos consecutivos deviam ser extintas. “O que verifiquei”, reiterou aos deputados, “é que nos exercícios de 2010 a 2014, a sociedade apresenta nas suas contas auditadas capitais próprios sempre acima dos 100 milhões de euros.”

O administrador afirmou que a Empordef tem activos superiores ao passivo – 244 milhões de euros face a 220 milhões -, um capital próprio de 24 milhões de euros, e que prescindiu das subvenções do Estado desde o último triénio de 2017. Deste modo, houve uma poupança de 15,5 milhões de euros no ano passado. Aliás, destacou, a holding gera valor para o sector público e se fechasse hoje teria 13 milhões de euros a entrar nos cofres públicos.

“Houve uma vontade política, no seguimento do memorando da troika, não fazia sentido ter uma empresa pública a gerir participações públicas”, argumentou o deputado Leonel Costa, do PSD. João Rebelo, do CDS, também admite ter presidido ao fim da holding uma decisão política, mas classificou “como positivo o Estado manter posições” no sector.

Entre as participadas, João Pedro Martins referiu a presença estratégica de 35% nas OGMA, “com perspectiva do Estado receber dividendos superiores”, na Edisoft, de engenharia de sistemas, na EID na área tecnológica e na Naval Rocha, com problemas na concessão de docas novas em Alcântara. Estratégico é, obviamente, o Arsenal do Alfeite. “As outras [empresas] nunca deveriam ter entrado na esfera da Empordef”, garantiu.

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