Tancos, "os dez dias que abalaram o Exército português"

A exoneração dos coronéis foi justificada por Rovisco Duarte pela necessidade de fazer qualquer coisa, ao contrário do que se passava na Protecção Civil.

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Tenente-general Antunes Calçada LUSA/TIAGO PETINGA

Em 2019, mais de um século após os acontecimentos que deram titulo ao livro de John Reed sobre a Revolução Russa de 1917, os sismos dos acontecimentos voltaram. Para o Exército, o assalto aos paióis de Tancos foi um terramoto.

“Os dias de 28 de Junho a 14 de Julho de 2017 foram dez dias que abalaram o Exército português”, sintetizou o tenente-general Antunes Calçada, antigo comandante do Pessoal, hoje na reserva, numa breve introdução que fez esta terça-feira aos deputados da comissão parlamentar de inquérito. “O Exército foi atacado, foi desonrado, quem cometeu aquele furto e os seus cúmplices não têm perdão”, disse o oficial.

O substancial da 17. ª audição da comissão não se ficou, no entanto, pela adaptação livre dos Dez dias que abalaram o mundo, de Reed, num engenhoso soundbite. O tenente-general Calçada assim sentiu o que se passou em Tancos, território fora do seu comando - donde da sua responsabilidade -, mas assumiu que, como oficial-general do Exército, também falhou. Também não foram essenciais as referências à falta de meios e efectivos do Exército já ditas e reditas até estarem consagradas, ainda que com a voz do responsável do Pessoal. Só que Antunes Calçada, tenente-general na reserva, apontou a origem do mal: o fim do Serviço Militar Obrigatório. Até ao princípio da noite desta terça-feira tal era, apenas, subentendido.

Foi na narração das jornadas pós-assalto, que o militar apontou a mira ao antigo chefe do Estado-Maior do Exército, general Frederico Rovisco Duarte. No dia dos Comandos, a 29 de Junho, horas depois de ter sido detectado o furto, teve lugar uma reunião informal, em camuflado, do Conselho Superior do Exército.

O guião foi sendo cumprido até que, de repente, Rovisco Duarte aparece na televisão a anunciar a exoneração dos coronéis comandantes das cinco unidades que faziam a segurança aos paióis. O comandante do Pessoal foi, apenas, informado, não ouvido. Decidiu em sintonia: passou à reserva, porque não concordou com a justificação dada pelo seu chefe “de que tinha de decidir qualquer coisa, dar um murro na mesa, em contraposição ao que se passava na Protecção Civil.”

Daí que, numa meditação em voz alta, tenha comentado sobre o amigo e ex-chefe: “Frederico sim, (em nome da amizade), Rovisco Duarte não”, na memória da hierarquia.

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