Papa promete “luta total” contra os abusos sexuais. Vítimas decepcionadas

Francisco foi claro nos princípios mas não explicitou o “como” nem o “quando” no propósito de erradicar os abusos sexuais do seio da Igreja.

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Cimeira reuniu em Roma os líderes católicos do mundo inteiro para discutir medidas antiabusos epa/VINCENZO PINTO
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Cimeira reuniu em Roma os líderes católicos do mundo inteiro para discutir medidas antiabusos EPA/GIUSEPPE LAMI
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Cimeira reuniu em Roma os líderes católicos do mundo inteiro para discutir medidas antiabusos REUTERS TV

A Igreja Católica "fará tudo o que for necessário para entregar à Justiça" todos os que abusaram sexualmente de menores ou adultos vulneráveis, garantiu este domingo o Papa Francisco, no discurso de encerramento da cimeira que, durante quatro dias, reuniu em Roma os líderes da Igreja Católica do mundo inteiro para discutir medidas capazes de travar os abusos sexuais no seio da instituição. 

"A Igreja não procurará jamais dissimular ou subestimar qualquer um desses casos", vincou o 266º Papa da Igreja Católica, num discurso que, porém, decepcionou quem esperava ouvi-lo enunciar medidas concretas para travar este flagelo que o próprio reconheceu “deforma o rosto da Igreja” e “mina a sua credibilidade”.

“Há três coisas que a Igreja precisa de fazer e que não vimos anunciadas: que os padres que abusam sexualmente de menores são removidos do sacerdócio, que os bispos que os encobrem são também afastados das suas funções e que todas as provas dos crimes que estão nos arquivos do Vaticano serão entregues às autoridades civis e divulgadas publicamente”, declarou ao PÚBLICO Peter Isely, porta-voz do movimento Ending Clergy Abuse, mostrando-se “profundamente decepcionado” com o resultado desta cimeira que reuniu cerca de 190 líderes da Igreja Católica de todo o mundo.

O Papa, que inaugurara a cimeira reclamando da Igreja “medidas concretas” para prevenir e travar estes abusos, apontou oito pontos nos quais considerou que a Igreja se deverá centrar para combater o flagelo. E estes abarcarão desde um maior cuidado na selecção e na formação dos candidatos ao sacerdócio à criação de normas (e não directrizes) que vinculam os bispos do mundo inteiro à obrigatoriedade de denunciarem e sancionarem os abusos que vierem a detectar.

"Nenhum abuso deve jamais ser encoberto (como era habitual no passado) e subestimado, pois a cobertura dos abusos favorece a propagação do mal e eleva o nível do escândalo", insistiu o Papa, apelando à criação de "um novo enquadramento eficaz de prevenção em todas as instituições e ambientes das actividades eclesiais". 

Trata-se pois de declarar “guerra total” aos abusos cometidos no seio da Igreja. Estes motivaram uma "ira justificada" entre vítimas e fiéis e terão de ser travados com “com medidas disciplinares e processos civis e canónicos", afiançou ainda Francisco.

"Isso foi o que sempre ouvimos da Igreja", reagiu Peter Isely, que passou os últimos quatro dias em Roma. “Todos os casos serão encaminhados para as autoridades civis ou só os que eles considerarem? Nem isso ficou claro. E nós sabemos que há no mundo padres que estão a abusar de crianças e que continuam no sacerdócio e que, em muitos sítios, estão a ser transferidos de paróquias para as escolas, com a anuência dos bispos, porque a lei da Igreja permite que assim seja”.

“As nossas crianças continuam a não estar seguras na Igreja e não vão estar enquanto, perante anúncios gravíssimos como o que foi feito por Reinhard Marx, o Papa não se levantar e disser que quem o fizer, quem destruir uma única prova dos abusos cometidos, será entregue às autoridades”, acrescentou Isely, referindo-se ao facto de aquele cardeal alemão ter reconhecido, no sábado, que a Igreja na Alemanha destruiu e manipulou durante décadas documentos para proteger padres abusadores. “Só nos resta confiar nas autoridades civis”, concluiu Isely, que foi abusado por um padre quando tinha 13 anos de idade.

"Faltou o 'quando' e o como'"

Prometendo que a Igreja procurara “transformar os erros cometidos em oportunidades para erradicar este flagelo não só do corpo da Igreja como também do seio da sociedade”, Francisco dedicou partes significativas do seu discurso a contextualizar os abusos sexuais, histórica e globalmente. Comparou-os aos “sacrifícios humanos” que eram comuns em rituais pagãos, equiparou os padres abusadores a "lobos vorazes" e lembrou que esta realidade está longe de se circunscrever aos muros da Igreja. “A verdade é que os abusos (sejam físicos, psicológicos ou sexuais) são sobretudo cometidos pelos pais, pelos familiares, pelos maridos de esposas-meninas, pelos treinadores, pelos educadores”, lembrou. E, baseando-se em dados da UNICEF, relativos a 2017 e a 28 países, acrescentou: “Em cada dez raparigas que tiveram relações sexuais forçadas, nove disseram ter sido abusadas por uma pessoa conhecida ou próxima da família".

"Lamentavelmente, [o Papa] não pôde proporcionar os números dos abusos na Igreja, porque o Vaticano, apesar de os conhecer e de os ter na posse da Congregação para a Doutrina da Fé, nega-se a fazê-lo", notou Daniel Verdú, correspondente do jornal espanhol  El Pais em Itália e no Vaticano, reconhecendo, embora, que a Igreja não teve ainda tempo para desenhar as tão reclamadas medidas. "O que faltou foi o 'quando' e o 'como' é que os abusos vão acabar e o que é que vai acontecer exactamente aos que abusaram e aos que encobriram os abusos", resumiu a correspondente da CNN no Vaticano, Rosa Flores, para quem resta aos sobreviventes dos abusos "confiar na justiça civil".

"O desenvolvimento da Internet e dos meios de comunicação contribuíram para aumentar significativamente os casos de abuso e violência perpetrados online", notou ainda Francisco, exortando "os países e as autoridades a aplicarem todas as medidas necessárias para limitar os websites que ameaçam a dignidade do homem, da mulher e, em particular, dos menores".

Sobre este assunto, o Papa propôs-se ainda rever as normas aprovadas em 2010 pelo Papa Bento XVI. Nestas, definia-se como "delito grave" a aquisição, detenção ou divulgação por um membro do clero de imagens pornográficas com menores de 14 anos: "Agora achamos que devemos elevar este limite de idade para ampliar a tutela dos menores e insistir na gravidade destes factos."

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