Marcella colou papéis nas casas de banho da faculdade para mostrar que as vítimas de violência não estão sozinhas

Marcella Castellano quis mostrar apoio para com quem sofre ou sofreu às mãos de parceiros, familiares, conhecidos ou desconhecidos. Por isso, colou nas casas de banho da sua faculdade uma folha que incentiva as vítimas de violência sexual a partilhar o seu testemunho.

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Daniela Martins/WhyIDidn'tReport

Era uma simples folha branca onde se podia ler, a letras garrafais, apenas quatro palavras acompanhadas de uma hashtag: #WhyIDidn'tReport. Marcella Castellano, 20 anos, estudante de Línguas, Literaturas e Culturas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa​ (FLUL), encontrou o modelo na Internet e acabou por guardar a imagem com a intenção de a espalhar pelas casas de banho da FLUL. Isto há mais de um ano. Há duas semanas, com a ajuda de uma amiga, finalmente ganhou coragem para o fazer.

No total foram três folhas, em três casas de banho diferentes da faculdade. Um dos papéis foi arrancando dois dias depois, mas os outros dois ainda lá estão e, à medida que o tempo foi passando, os testemunhos escritos nas folhas foram crescendo.

“Parte de mim achava que iam tirar os papéis e foi o que aconteceu com um deles, mas outra parte sabia que isto [a escrita dos testemunhos] ia acontecer porque todas nós fomos vítimas de algum assédio. Por isso, tomei a iniciativa de mostrar a todas as vítimas que não estão sozinhas, que a culpa nunca é nossa, que somos tantas que não devemos ter medo de lutar”, conta Marcella em conversa com o P3.​ “Porque não é um problema isolado, acontece todos os dias a milhares de nós.”

Passadas duas semanas, voltou às duas casas de banho para recolher as folhas. “Pusemos isto nas casas de banho da FLUL e esqueci-me de ir ver como estava até agora”, partilhou a jovem, esta quinta-feira, 21 de Fevereiro, no Twitter. “Desmanchei-me em lágrimas.” As duas páginas de Marcella já contavam com, pelo menos, duas dezenas de testemunhos. Pouco tempo depois, a publicação já tinha milhares de gostos e re-tweets. Em resposta, vários jovens já garantiram que vão imprimir a imagem e fazer o mesmo nas suas escolas e faculdades.

“Desculpa, vou roubar, traduzir e levar para a escola (…). É preciso começar a ganhar consciência e liberdade desde cedo, porque também é sempre cedo demais quando acontece”, disse uma utilizadora em resposta à publicação de Marcella.

Marcella acredita que ainda existe um estigma quando se fala de violência sexual — quer por parte das mulheres, que acham o assunto desconfortável, quer pelos homens, que acreditam que não fizeram “nada de errado e que as suas vítimas não estavam assim tão desconfortáveis”. “Ou que é simplesmente o seu direito enquanto homens”, diz.

Mas, para a jovem, o ponto central da discussão é mesmo a culpabilização das vítimas. “As próprias vítimas negam este tópico porque nunca souberam lidar com os traumas, culpam-se a si mesmas e pensam: ‘Ela estava a pedi-las’, ‘Ela não reclamou o suficiente’, ‘Ela era a sua namorada ou esposa’ ou ‘Ela tinha dito que sim, mas depois mudou de ideias’.”

Marcella garante que tem mais algumas folhas impressas com a hashtag: “Talvez as espalhe por mais sítios. Também partilhei o template para quem o quisesse imprimir e colar onde bem entendesse.” A imagem é originalmente da conta de Instagram WhyIDidn'tReport, que incentiva homens e mulheres a partilhar a sua experiência de forma pública ou anónima.

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