Médicos do SNS in Black alertam para "falácia" do acréscimo de 9000 profissionais

Três médicos fundadores do movimento entendem que o SNS está "estagnado ou até pior" do que estava há um ano. "Ninguém notou este saldo positivo de 9000 profissionais. Todos os colegas, unidades e hospitais com quem falamos dizem o mesmo, que não sentem este acréscimo

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MARIA JOAO GALA

Os fundadores do movimento SNS in Black (SNS de negro) consideram uma falácia o saldo positivo de 9000 profissionais no Serviço Nacional de Saúde (SNS) que tem sido propagado pelo Governo, exigindo saber quem são, o que fazem e onde estão estes profissionais.

Um ano depois da constituição deste movimento, também conhecido como "SNS: o lado B", os três médicos fundadores entendem que o SNS está agora "estagnado ou até pior" do que estava há um ano.

Ana Paiva Nunes, António Diniz e Filipe Froes pretendem que este movimento se constitua como um grupo multiprofissional que dá voz a quem trabalha diariamente no SNS e conhece a realidade, prescindindo de dados de tabelas Excel.

Em entrevista à agência Lusa, o pneumologista e intensivista Filipe Froes afirma que se tem verificado "uma sangria de profissionais diferenciados e qualificados" e não acredita no acréscimo de 9000 profissionais a trabalhar no SNS.

"Ninguém notou este saldo positivo de 9000 profissionais. Todos os colegas, unidades e hospitais com quem falamos dizem o mesmo, que não sentem este acréscimo", indica.

Na mesma linha, António Diniz, que chegou a ser coordenador do programa nacional para o VIH/sida, diz que duvida deste acréscimo de profissionais, face à informação de vários hospitais.

"Que nos expliquem quem são, o que é que fazem e onde estão estes profissionais. Porque consideramos que é legítimo duvidar. Além disso, recordamos que é o Governo que envia os seus próprios dados às instâncias internacionais para posteriores estudos e comparações", declara à Lusa António Diniz.

Saída de especialistas, entrada de internos

Filipe Froes alerta ainda para o "total desconhecimento" do número de profissionais especializados que terminaram funções no SNS, lembrando que não se pode comparar directamente a saída de médicos especialistas com a entrada de médicos em formação. "Se um hospital perder 30 especialistas e receber 40 médicos recém-licenciados para internato, não há um saldo positivo de 10 médicos. Há uma perda irreparável de 30 especialistas que tem repercussões nos serviços e na qualidade da assistência e da segurança aos doentes", argumenta.

Para os fundadores do SNS in Black, que promove as "sextas-feiras negras" nos hospitais públicos, nas quais os profissionais trajam de preto, o SNS vive sem estratégia definida, sem visão para o futuro, com "grave subfinanciamento", com carência de pessoal e défice de estruturas e de equipamentos.

António Diniz afirma ainda que em 40 anos nunca viu tantos exames a serem feitos nos privados. "A fatia dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica [a pedido do SNS] que é feita fora dos hospitais públicos tem vindo progressivamente a aumentar. É preciso perceber o que tem sido e é transferido para o privado, até para o Governo programar recursos", afirmou.

Em 2017, segundo o último relatório do acesso ao SNS que está publicado, foram pagos mais de 450 milhões de euros a unidades privadas ou sociais com convenções com o Estado, tendo havido um aumento de 2,37% em relação ao ano anterior.

Só ao nível das análises clínicas, o SNS pagou a outros prestadores mais de 170 milhões de euros em 2017. Desde 2013 que os encargos com entidades convencionadas foram crescendo em cada ano.

"É raro ver um doente que traz um exame feito no SNS, sobretudo na área da imagiologia",acrescentos Filipe Froes.

"Fact-check" da realidade do SNS

Sendo um movimento alimentado nas redes sociais, com cerca de 25 mil seguidores na página do Facebook "SNS: o Lado B", os fundadores assumem que pretendem ser uma espécie de "'fact-check' da realidade do SNS".

Além da "falácia" do acréscimo de profissionais, Filipe Froes salienta também o argumento do Governo sobre o investimento sem precedentes no SNS.

"Não basta dizer que se investiu mais. É preciso explicar em quê e onde. O SNS gastou por ano 100 milhões em médicos tarefeiros. Isso não é investimento e pode equivaler a deitar dinheiro pela janela", argumenta.

Surgido em Fevereiro de 2018, o movimento lançou a primeira "sexta-feira negra" no dia 23 desse mês. Começou por ser uma iniciativa mensal que depois, com a crescente adesão, se tornou semanal.

Além de se vestirem de negro às sextas-feiras, os profissionais aderentes usam um crachá alusivo ao movimento, que já distribuiu 10 mil a 12 mil crachás por vários trabalhadores de todo o país.

"Conquistámos um espaço no debate e na crítica construtiva em torno do SNS e colaboramos para um debate mais alargado, participativo e esclarecido sobre a realidade", resume Filipe Froes.

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