As Três da Manhã procuram uma nova personalidade para a Renascença

Rádio Renascença tem um novo programa nas manhãs que aposta no entretenimento e no perfil diversificado de três radialistas para uma mistura salutar entre informação, humor e temas quotidianos.

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Daniel Rocha

Qual a dose certa de informação, humor e temas do quotidiano num programa matinal de rádio? Ninguém sabe exactamente quanto de cada ingrediente juntar para servir o pequeno-almoço radiofónico ideal aos ouvintes, mas já é ponto assente que o humor e um discurso mais informal são agora princípios de base. Depois de ter mudado o programa da manhã há dois anos colocando a radialista Carla Rocha como pivot, a Rádio Renascença voltou a refrescar a antena e estreou há duas semanas As Três da Manhã. Não começa às 3h mas sim às 7h, e a confusão do título é propositada para levantar o sobrolho direito – esse, o da curiosidade – sobre o horário do programa e as três radialistas que dão alma ao espaço: Carla Rocha, Ana Galvão e Joana Marques.

Durante três horas, até às 10h, enchem o éter da Renascença com notícias, debates sobre a actualidade informativa, entrevistas, passatempos, música, questiúnculas e histórias mundanas (desde os sapatos às relações amorosas), comentários mordazes, humor – e tudo o mais que lhes apeteça. É um formato inédito na rádio portuguesa este de ter uma equipa só de mulheres, mas as três garantem que isso não faz dele um programa feminista.

“O objectivo não foi arranjar três mulheres. Foi encontrar equilíbrios de personalidade, não de género. Por acaso somos todas mulheres”, diz Joana Marques, que transitou da Antena 3 e trouxe com ela a sua rubrica de humor Extremamente Desagradável. Ana Galvão, que apresentava o programa da tarde e “subiu” na grelha diária salienta que em algumas rádios se procura ter uma mulher “para dar umas gargalhadas, andar à boleia” e fazer quota – “Para ser o… como se diz? Kick-side?” “Sidecar!”, corrige-a Joana Marques com uma gargalhada. “Nenhuma aqui tem esse papel”, afiança Ana, criticando o facto de os apresentadores ainda hoje poderem dizer “as coisas mais boçais” ao microfone mas esse comportamento estar ainda meio vedado às mulheres.

A diferença em relação às outras rádios é essa mistura de tantos ingredientes mas sempre com a preocupação na actualidade. “Há gente que vem à procura de informação mas não nos moldes tradicionais. Somos uma rádio adulta, podemos dizer o que quisermos com o bom senso de sabermos onde estamos”, descreve Ana Galvão. “Os nossos ouvintes têm entre os 35 e os 45 anos, de manhã levam os filhos à escola, são quadros médios e superiores, das classes A/B”, acrescenta Carla Rocha desmistificando a ideia de que o público da Renascença é mais idoso e procura uma rádio de pendor religioso.

Porque a “rádio é a vida através de um microfone”, as três pegam em questões do dia-a-dia para dar corpo ao programa. Os carros eléctricos são mesmo o futuro? Carla Rocha não conseguiu carregar um carro que experimentou e trouxe o caso para debater na manhã. As trotinetes estão a encher os passeios e as ruas de Lisboa? Elas trouxeram trotinetes para circular nos corredores da Renascença. “Sim, cruzamos informação e entretenimento numa perspectiva útil. Partimos da pergunta ‘no que é que o assunto x afecta a minha vida?’”, explica Carla Rocha.

A vida em directo

Joana espera que As Três da Manhã acelere esse processo de mudança de percepção sobre o que é hoje a Renascença. Dá o seu exemplo: quando foi convidada quis saber se havia temas proibidos na emissora, embora “nem costume fazer piadas sobre religião”, a resposta foi a liberdade total. Ana realça que a humorista fez uma rubrica dedicada aos enfermeiros – com feedback de todo o género – ao mesmo tempo que a rádio tem feito uma cobertura exaustiva sobre as greves e o conflito com o Governo.

Por exemplo, num dia em que os hospitais privados anunciaram que iam deixar a ADSE, pela mesa d’As Três da Manhã passaram João Proença, do conselho de supervisão daquela entidade; João Taborda da Gama para discutir com Francisco Assis (este por telefone) a pressão para a exoneração de Carlos Costa do Banco de Portugal; Pedro Santos Guerreiro (director do Expresso) para falar sobre descentralização e regionalização; e o jornalista da SIC João Moleira para uma desgarrada sobre os hábitos matinais de cada um ou a mudança de instalações da televisão. Tudo entrecortado com informação de trânsito, notícias à hora certa, música, o lançamento de um passatempo que se iria realizar no dia dos namorados.

Entretanto, enquanto a emissão chega límpida aos ouvintes, na pequena régie ao lado do estúdio há uma cacofonia de sons. Ali ouvem-se e cortam-se sons de programas para mais logo, ao mesmo tempo que o produtor João Duarte vai apanhando alguns segundos da emissão para fazer um best of enquanto controla o alinhamento que vai subindo num ecrã que contabiliza tudo ao segundo, das rubricas às músicas, da publicidade aos separadores sonoros. Há rubricas que são filmadas e transmitidas em directo nas redes sociais; é preciso estar atento a esse feedback. E nos tempos mortos da palavra, em que a música é rainha, as três aproveitam para petiscar. Ana é a fã de frutos secos, Joana traz maçãs e Carla – que “está sempre a comer” – tira da mala sandes, fruta, quiche de legumes.

As três admitem que duas semanas depois ainda se estão a “entrosar”. Carla e Ana fizeram um curso de rádio juntas há mais de 20 anos, recordam as aulas de gramática portuguesa, cultura musical. Ana e Joana conheciam-se da Antena 3. Querem fazer das manhãs na Renascença “momentos espontâneos” de convivência com os ouvintes, que estes as vejam como pessoas com quem se identificam para ir tomar um café – “e um bolinho”, saliva Joana Marques. Sabem que têm personalidades diferentes – Carla é a de espírito pragmático, Ana a que tem mais energia, Joana a sarcástica. “Ela tem uma voz doce e infantil, no entanto diz as piores coisas do mundo”, brinca Ana sobre a guionista e apresentadora do Canal Q.

Quarta rádio mais ouvida

Nas últimas medições de audiências do Bareme Rádio, de Dezembro passado, a Renascença era a quarta rádio mais ouvida, com 4,8% de audiência acumulada de véspera, ou seja, fatia de ouvintes da estação no dia anterior, depois da Comercial (da Media Capital Rádios, com 16,6%), RFM (do grupo RR, com 16,5%), e da M80 (MCR, 6,4%). Antena 1 (4,4%), Mega Hits (3,1%) e TSF (2,9%) vêm a seguir.

“A rádio nunca foi só um gira-discos. Mas hoje tem que ser muito mais do que isso, tem que comunicar, criar um diálogo e uma ligação com o ouvinte e, sobretudo, ter personalidade, manter-se contemporânea e ser relevante”, afirma o director-geral da Renascença, Pedro Leal. “Foi isso que tentámos fazer ao juntar o humor mordaz, inteligente e subtil da Joana Marques que não se refugia na asneira para ter graça, com a alegria e espontaneidade da Ana Galvão, e a moderação da Carla Rocha”, resume.

Mas o ADN religioso da Renascença é para manter. “Nós não matamos o pai”, brinca. “É a emissora católica portuguesa, está na nossa assinatura, e não há dúvidas em termos de valores. Mas isso não prejudica o nosso relacionamento com ninguém, muito menos com o ouvinte”, vinca. Mas admite que há um esforço para “abrir a rádio”, ter uma “linguagem mais horizontal e comunicar com toda a gente”. A oração da manhã passou a ser o “pensamento” e o evangelho do dia é escolhido para ser percebido por qualquer pessoa, católica ou não.

Para além da rádio no carro, nas faixas da manhã e da tarde, Pedro Leal quer a Renascença a crescer também na faixa do escritório. Ou seja, na audição durante o resto do dia, em que é preciso menos palavra e mais música. Por isso, das 10h às 16h reduziu-se o tempo dos noticiários de cinco para três minutos e da animação. Para compensar, criou-se um noticiário de análise das 13h às 14h e apostou-se na informação no site e nos conteúdos digitais – o podcast do Extremamente Desagradável tem estado no topo do iTunes, por vezes ultrapassando o Mixórdia de Temáticas de Araújo Pereira na Comercial.

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