Enfermeiros contestam em tribunal declaração de greve ilícita

Especialistas concordam que enfermeiros arriscam processos disciplinares se se recusarem a ir trabalhar. Sindicato prepara queixas-crime contra Governo e administradores hospitalares e queixa à Organização Internacional do Trabalho.

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O Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor) pretende avançar com uma nova acção nos tribunais administrativos, desta vez para invalidar o despacho da ministra da Saúde que torna vinculativo o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República que declara ilícita a greve daqueles profissionais de saúde. Esta é uma das formas de tentar suspender aquele despacho, cujos efeitos dividem os juristas.

Numa questão os quatro especialistas em Direito Administrativo ouvidos pelo PÚBLICO estão de acordo: ao não cumprirem as instruções decorrentes daquele parecer, que é vinculativo para os serviços da Administração Pública, os enfermeiros correm o risco de ficar sujeitos a processos disciplinares e às respectivas penas. Mas se todos concordam que, com a homologação do parecer pela ministra e com a sua publicação em Diário da República, a declaração da greve como ilícita torna-se vinculativa para as administrações hospitalares, o mesmo não acontece para os trabalhadores, neste caso, os enfermeiros.

Três dos quatro especialistas consideram que os enfermeiros, como funcionários da Administração Pública, estão obrigados a não fazer greve, podendo ficar sujeito a processos disciplinares por faltas injustificadas e por desobediência a instruções de um superior hierárquico.

José Vieira de Andrade, professor catedrático da Universidade de Coimbra, discorda. "Com a homologação o parecer torna-se uma posição jurídica que vincula os serviços do Ministério da Saúde, mas não os trabalhadores no exercício do direito à greve, um direito fundamental que não pode ser limitado pela Administração", defende Vieira de Andrade. "O direito à greve só pode ser declarado ilícito por um tribunal", continua o professor catedrático, que admite que a sua posição pode suscitar dúvidas. 

"É uma opinião jurídica"

Quem partilha desta opinião é o advogado Garcia Pereira, advogado no Sindepor, que adianta que pretende avançar para a impugnação do acto de homologação do parecer. "O parecer em si é uma opinião jurídica dada a partir de elementos que são fornecidos por uma das partes do conflito, sem contraditório", sublinha Garcia Pereira, que lembra que existiu um primeiro parecer, não divulgado, que considerou legal a greve "cirúrgica" dos enfermeiros. "Não percebo porque não se divulga esse primeiro parecer. Não vejo nenhuma razão legal para manter o secretismo", realça. 

O advogado do Sindepor acusa a ministra da Saúde de um “golpe publicitário” ao anunciar que “a ilicitude da greve está fixada” sem sequer dar a conhecer os exactos termos do parecer do Conselho Consultivo da PGR que ao início da noite desta segunda-feira ainda não tinha sido publicado em Diário da República. “Primeiro atinge-se o efeito intimidatório e só depois é que se formaliza as coisas”, critica Garcia Pereira. 

Mas a impugnação do despacho da ministra que homologa o parecer não é a única resposta que o Sindepor está a preparar. O sindicato, diz Garcia Pereira, está a instruir várias queixas-crimes acusando membros do Governo e administradores hospitalares de “fabricarem pretensos incumprimentos dos serviços mínimos”, um argumento que serviu de base à requisição civil decretada pelo Conselho de Ministros. Em causa, precisa, estarão crimes como abuso de poder, denegação de Justiça e prevaricação ou falsificação de documento. “Vamos ver se a PGR, que dá pareces compatíveis com os interesses do Governo, também investiga de forma adequada e em tempo útil as participações-crime”, comenta Garcia Pereira.

Uma outra linha de ataque passa por uma queixa à Organização Internacional do Trabalho, uma agência da ONU, devido à alegada violação, por parte do Estado português, de normas de tratados, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. "Consideramos que está a haver uma violação da liberdade sindical, actos de coacção, ameaça e difamação aos trabalhadores em greve, manipulação da opinião público", enumera Garcia Pereira.

O professor Licínio Lopes Martins, da Universidade de Coimbra, considera que para evitar que a homologação produza efeitos no plano administrativo o Sindepor terá que intentar uma providência cautelar, que suspenda o despacho da ministra. A partir do momento em que essa acção urgente seja notificada ao Governo o efeito suspensivo inicia-se, o que, para este professor universitário, quer dizer que os enfermeiros voltam a poder fazer greve. Mas esse efeito poderá ser facilmente afastado com a invocação do interesse público na manutenção daquele despacho - a chamada resolução fundamentada. Os efeitos de uma acção destas dificilmente teriam efeitos úteis já que a greve em curso termina no final deste mês, ou seja, daqui a menos de 10 dias.

João Pacheco Amorim, advogado e professor da Universidade do Porto, também considera que os enfermeiros são obrigados a parar a greve, sob pena de terem faltas injustificadas. "Enquanto não houver uma decisão judicial a considerar a greve lícita os enfermeiros são obrigados a obedecer a esta espécie de instrução hierárquica", afirma. Tal, não inviabiliza, no entanto, que os enfermeiros alvo de uma eventual punição disciplinar não possam impugná-la e, nesse âmbito, o tribunal considere a greve lícita.

Impacto do parecer na intimação

Questão ainda mais imprevisível é o impacto do parecer vinculativo na intimação para protecção de direitos que corre, neste momento, no Supremo Tribunal Administrativo. Esta acção, interposta pelo Sindepor, visa invalidar a requisição civil decretada pelo Conselho de Ministros, uma medida que não impede a greve mas apenas obriga os grevistas a cumprirem os serviços mínimos em quatro dos dez centros hospitalares e hospitais onde está a decorrer a greve.

Garcia Pereira teme que o Ministério da Saúde tente convencer o tribunal a não tomar uma decisão de fundo sobre a requisição, alegando que a mesma é inútil face à declaração de ilicitude da greve. Mas diz que tal se trataria de uma "manobra habilidosa" do ministério e que se vai bater por que o tribunal se pronuncie sobre a legalidade ou não da requisição civil.

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