Violência não é “cultura nem prática das nossas forças de segurança”, diz secretária de Estado

Secretária de Estado não comentou caso do bairro da Jamaica mas comenta relatório do Conselho da Europa: é um "sinal de alerta". Mas recusa que seja prática. Desconhece que a PSP utiliza categorias étnico-raciais nos autos.

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A secretária de Estado diz: Há questões culturais que geram conflitos mas ignorar isso é ignorar a realidade do dia-a-dia" Mário Lopes Pereira

A secretária de Estado Isabel Oneto não quis falar dos acontecimentos no bairro da Jamaica, na sequência dos quais a PSP foi fortemente criticada. Mas falou do relatório do Comité Anti-tortura do Conselho da Europa que referia Portugal como uma dos países da Europa Ocidental com mais violência policial. 

Porque é que está na directiva, na classificação do grau de risco, a composição étnico-social do bairro, se não são permitidas essas categorias em Portugal? [O PÚBLICO consultou três relatórios de 2016 em que isto aparece] 
Garanto que nenhum relatório referiu a questão da etnia [como factor de risco]. Os relatórios actuais que são enviados para este gabinete não têm sequer referência a características étnico-sociais. Nalguns há referência a "diversas culturas", o que não significa por si só factor de classificação de uma qualquer zona. 

[Mostrou ao PÚBLICO um documento da PSP em que se refere, sobre um bairro, a existência “de culturas diferenciadas, que potenciam conflitos”]

Os hábitos sociais de determinadas zonas, quando a intermediação não existe, geram conflitualidade. Há questões culturais que geram conflitos mas ignorar isso é ignorar a realidade do dia-a-dia. É pôr a cabeça na areia porque depois não se consegue fazer a intervenção adequada à situação das diferentes culturas. E há diferentes culturas independentemente das várias etnias. 

Tem conhecimento que os autos de polícia muito frequentemente referem “indivíduo de raça negra, caucasiana, de etnia cigana”. Não há indicação do Ministério da Administração Interna a dizer que não é permitido? 
Acho que houve essa orientação em tempos. 

Nunca lhe chegaram estas questões?
Não. Não acompanho os autos de notícia e não sinto, nas reuniões que tenho tido, esse tipo de linguagem.

O Conselho da Europa (CE) afirmou que a polícia portuguesa é das mais violentas da Europa Ocidental e que essa violência é dirigida sobretudo a afrodescendentes e estrangeiros. Como recebeu este relatório? 
Era um alerta que temos que ter relativamente a determinado tipo de comportamentos e não escamotear o resultado. Mas [devemos] perceber que não é uma questão de cultura, nem de prática das nossas forças de segurança. Não significa que não questionemos. Sempre que há duvidas o que se faz é pedir a intervenção da IGAI.     

Que medidas tomaram para aferir se correspondia a uma prática generalizada? 
O que vamos fazendo das situações que temos tido conhecimento é que, na dúvida, remete-se para a IGAI.

O que a preocupou mais no relatório? 
A forma como o próprio CE percepciona o risco e a intervenção policial. Obviamente que nos preocupa dizer que existe uma intervenção policial não adequada a determinados contextos mas também senti que situações referenciadas ainda não tinham seguido o seu trâmite até ao final.

Quem foi acompanhando o relatório sabe que os dados entregues ainda não tinham uma conclusão. O que preocupa é o que lá está: o índice de violência utilizada pelas forças de segurança.

A polícia precisa de mais formação em direitos humanos? 
Dizer que é só a policia que precisa de mais formação em direitos humanos é um erro, precisamos todos de mais educação para a cidadania.

Tendo uma função diferente do resto dos cidadãos, não há necessidade de ter essa formação? 
A polícia não é um elemento sozinho na dinâmica social. Pôr cidadãos de um lado e a polícia do outro como se não houvesse contexto social em que as coisas se desenvolvem é desconhecer a realidade. Ainda recentemente o Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna incluiu uma disciplina de direitos humanos, a própria PSP fez essa avaliação.

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