A Venezuela em fase crítica

É hoje mais do que evidente que Nicolas Maduro é totalmente incapaz de melhorar a situação de catástrofe em que o país vive.

Quando, no passado dia 23 de janeiro, Juan Guaidó se autoproclamou presidente interino da Venezuela perante uma impressionante mole humana de centenas de milhares de apoiantes, ficou evidente que o tempo de Nicolas Maduro terminara, não lhe restando agora outro caminho a não ser aceitar a porta de saída que lhe foi aberta a ele e ao grupo de militares fiéis que arruinaram o país e o mergulharam num inferno de fome, miséria e violência.

É hoje mais do que evidente que Nicolas Maduro é totalmente incapaz de melhorar a situação de catástrofe económica e de repressão política em que o país vive. Desde que assumiu o poder após a morte de Hugo Chávez em 2013, a situação só tem piorado. A hiperinflação superior a um milhão por cento reduziu o salário mínimo ao equivalente a dois ou três quilos de batatas ou arroz, o colapso dos serviços de saúde acelera diariamente a morte de muitos venezuelanos por falta de assistência e de medicamentos, a fome tomou conta da grande maioria da sociedade, a violência agravou-se brutalmente e cerca de três milhões emigraram.

Perante um cenário de degradação generalizada da economia, do Estado de Direito e da segurança individual, é incompreensível que ainda possa haver quem, por cumplicidade ideológica, seja condescendente com as centenas de pessoas que foram mortas nos últimos tempos só por reclamarem pão e democracia, com os milhares que foram presos e torturados, com as dezenas que foram assassinadas pelos “coletivos”, as forças paramilitares que semeiam o terror para defender o regime.

Portanto, ninguém pode arranjar desculpas ou ficar indiferente perante o sofrimento extremo que atinge o povo venezuelano e muito menos os portugueses, que desde os primórdios estiveram presentes na construção do país e, contemporaneamente, têm contribuído para o seu dinamismo, com uma presença muito forte em vários setores económicos.

Houve portugueses na criação da Venezuela e na luta pela libertação da América ao lado de Simon Bolívar, que Juan Guaidó continua a evocar, e há até um dos 23 Estados que se chama “Portuguesa”. Desde há muito tempo que a Venezuela tem sido o berço, a casa e a pátria de milhares de portugueses, que sempre foram extraordinariamente considerados e reconhecidos pelas suas capacidades de trabalho e empreendedorismo, facilidade de integração e generosidade.

Portanto, os portugueses estão também a sofrer imenso com a tragédia que atinge a Venezuela, porque ali construíram a sua vida e conquistaram um estatuto económico e social e agora vêem-se na contingência de perder tudo e de terem de emigrar para fugir à miséria. Mas é por isso que muitos também admitem ficar, porque ainda mantêm a esperança que a situação mude e o país regresse à democracia, ao progresso e à paz.

Neste contexto, é importante reconhecer o extraordinário trabalho que o Governo tem feito tanto a nível nacional como no âmbito da União Europeia para acompanhar, apoiar e proteger os portugueses e lusodescendentes na Venezuela, respondendo às necessidades dos que estão no país e às dos que decidiram regressar a Portugal.

É neste cenário de vulnerabilidade extrema e de catástrofe humanitária que a autoproclamação de Juan Guaidó e o seu rápido reconhecimento internacional, hoje já na ordem dos 50 países, constituem a forma mais eficaz para acelerar o processo de transição e assim pôr fim à agonia que que se vive na Venezuela.

O mandato de Juan Guaidó é o de preparar o processo eleitoral e propiciar uma transição pacífica, democrática e inclusiva, ao mesmo tempo que é oferecida a Nicolás Maduro e aos militares que o apoiam uma saída protegida, não obstante todo o mal que fizeram ao país e os esquemas de corrupção, repressão e enriquecimento ilícito em que muitos estarão envolvidos, por ter sido a eles que foi entregue a gestão dos setores chave da economia como garante de fidelidade.

Esta generosa concessão é a melhor forma de evitar mais derramamento de sangue, num contexto em que agora a situação claramente se alterou, visto que Maduro está cada vez mais isolado externamente e, internamente, com sinais visíveis de descontentamento nas fileiras militares entre as patentes médias e baixas e agora já também com deserções mais frequentes entre as mais altas.

Se chegar a haver mais derramamento de sangue, certamente que não será por causa da autoproclamação de Guaidó como presidente interino e do apoio internacional que teve, mas sim pelo profundo desrespeito pela democracia e pelo povo que o regime tem demonstrado e como infelizmente tem acontecido muitas vezes na história da Venezuela.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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