Polícia Judiciária estuda novo modelo de comunicação de crimes

Divulgação de notícias durante uma investigação policial não é necessariamente prejudicial, mas a PJ vinca que há espaço para melhorar e está a trabalhar num novo modelo de comunicação.

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Paulo Pimenta

Desde o início deste ano já foram mortas nove mulheres e uma criança em crimes de violência doméstica. O caso mais recente aconteceu no Seixal, a 4 de Fevereiro. Depois de matar a sogra, o agressor raptou a filha de dois anos. Nas horas que se seguiram e até a criança e homem serem encontrados, ambos mortos, os meios de comunicação social seguiram o caso ainda com a investigação judicial em curso. O psicólogo forense, Rui Albuquerque Gonçalves, atenta que a mediatização de um caso durante o curso de uma operação policial pode afectar o seu desfecho, mas “tudo depende do perfil do agressor”.

“O facto de um rapto ser publicitado e divulgado [enquanto ainda está em curso] pode fazer com que um raptor, que até aí não tinha decidido o que fazer com o refém, parta para o homicídio quando percebe que não tem hipótese de escapar”, explica o psicólogo forense.

No caso do duplo homicídio ocorrido a 4 de Fevereiro, em Cruz de Pau, no Seixal, Rui Albuquerque Gonçalves é menos taxativo. “Esta pessoa já tinha um plano que passava por prejudicar ao máximo a ex-mulher, matando quem lhe era mais querido e depois matando-se a seguir”, analisa. “Isto faz parte de um plano de alguém que está altamente perturbado. Este tipo de agressor já se pacificou em relação à decisão que vai tomar e nestes casos a mediatização não tem impacto no desfecho.”

Questionado sobre este tema, o director adjunto nacional da Polícia Judiciária (PJ), Carlos Farinha, reconhece que há espaço para se procurar “permanentemente o aperfeiçoamento a todos os níveis” da comunicação entre as autoridades e os jornalistas, de forma a não prejudicar “interesses aparentemente conflituantes”.

Reflectir sobre os impactos noticiosos

Carlos Farinha lembra que no passado a PJ “já tomou iniciativas de promover encontros de reflexão acerca dos modelos de articulação e os impactos noticiosos, sobretudo quando estão em causa situações mais chocantes”. Ainda assim, o director adjunto da PJ adianta ao PÚBLICO que está a ser preparado um modelo que irá “procurar aprofundar estratégias, em diálogo e troca de perspectivas”.

Para a PJ, “a divulgação de informação sobre matérias em investigação — desde que não ponha em causa a investigação criminal nem antecipe indevidamente o julgamento que se pretende em sede própria — pode traduzir-se numa eficaz prevenção geral e especial, além de corresponder a um direito legítimo à informação”. Acrescenta ainda que “a divulgação dos resultados oficiais [de investigações e operações policiais] contribui para promover o sentimento subjectivo de segurança” da população.

Não obstante, Carlos Farinha reconhece que existem práticas que podem ser prejudiciais, sublinhando a existência de “diversos estudos científicos recentes, sobre os chamados efeitos miméticos negativos” dos crimes chocantes.

“Estamos a procurar desenvolver um modelo que garanta a transparência do que pode ser divulgado, a par da reserva do que se impõe ser preservado”, conta Carlos Farinha. Para além de um princípio de “bom senso” entre as entidades, a PJ sublinha que também internamente essa discussão é uma preocupação, que encontra inspiração em exemplos internacionais. “A generalidade dos sistemas de investigação criminal congéneres, na Europa, tem manuais de procedimentos muito claros no que respeita à relação com os media, pautando a sua intervenção pela sobriedade e pela eficiência e tempestividade”.

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