“Factor de complexidade” na redução tarifária só beneficia Lisboa

O critério usado para distribuir as verbas da redução do preço dos passes favorece a Autoridade Metropolitana de Lisboa, que recebe mais 12,4 milhões de euros à conta desse "factor de complexidade".

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Redução do preço dos passes está prevista para vigorar a partir de Abril DANIEL ROCHA

O Governo usou um "factor de complexidade do sistema de transportes" para ajudar a definir a verba que cada região vai receber para descer o valor dos passes. Este factor foi aplicado apenas à Área Metropolitana de Lisboa (AML) e à Área Metropolitana do Porto (AMP), mas Lisboa é a única beneficiada e o Porto acaba a receber menos 3,3 milhões do que teria se este factor não existisse.

Contas feitas pelo PÚBLICO com base na tabela publicada pelo Governo na semana passada em Diário da República, e que explica como é feita distribuição das verbas, o factor de complexidade de 1,9 atribuído à AML representa um acréscimo de 12,4 milhões de euros do Estado quando comparado com um cenário em que não existisse este indicador (receberia 60,6 milhões, quando o que está previsto é receber 73 milhões).

Já no caso da AMP, esta vai receber 15 milhões de euros com o factor de 1,3 agora atribuído, mas o valor subiria 3,3 milhões (para 18,3 milhões) se não houvesse esta majoração (no caso das comunidades intermunicipais o factor é de 1, ou seja, não tem efeito).

A explicação está na forma como é feito o cálculo final, ligado ao factor de distribuição, e que resulta da multiplicação da população que usa transportes públicos pela duração média das viagens e, depois, pelo factor de complexidade. O número que daí surge acaba por ditar o factor de distribuição, o qual, dividido pelo total dos factores de distribuição atribuídos, é depois multiplicado pelos 104 milhões de euros disponibilizados pelo Estado no âmbito do Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART). O valor final é então a fatia do dinheiro que cabe a cada autoridade de transportes.

O cálculo do factor de complexidade

Contactado pelo PÚBLICO sobre o factor de complexidade apenas beneficiar Lisboa, o Ministério do Ambiente e da Transição Energética (MATE) não quis comentar. Antes, em resposta ao PÚBLICO sobre como tinha sido elaborado este factor, e chegado aos números atribuídos às autoridades de transportes, fonte oficial afirmou que “a escala das áreas metropolitanas implica uma especial complexidade e pressão sobre o sistema de mobilidade, que resulta em custos de operação mais elevados”.

“É nessas áreas que o congestionamento é maior, que a dificuldade de estacionamento é maior, que é necessária uma maior multimodalidade, incluindo transporte pesado como o metropolitano ou o fluvial, razão pela qual existem passes intermodais”, referiu a mesma fonte, acrescentando que “no caso de Lisboa”, a situação “é agravada pela existência de um estuário de grande dimensão, só atravessado por pontes portajadas”.

“Para a determinação da complexidade das áreas metropolitanas, considerou-se a pressão sobre o sistema de mobilidade decorrente da percentagem da população residente que utiliza transportes públicos”, precisou, acrescentando que se comparou “a percentagem entre as duas áreas metropolitanas e uma comunidade intermunicipal, que integra uma cidade portuguesa não metropolitana e de grande dimensão”.

De acordo com o calendário estipulado pelo Governo, as autoridades de transporte têm agora de entregar até ao dia 15 de Março o seu plano de aplicação das verbas ligado ao passe único.

Questionado sobre o que acontece a quem não o fizer até essa data, se fica sem apoios e se há redistribuição do dinheiro, o MATE respondeu apenas acreditar que os prazos irão ser cumpridos “para, a partir de 1 de Abril, os utentes usufruírem da redução do preço dos passes”.

Autarquias podem subir esforço

Dos 104 milhões de euros atribuídos pelo Estado 70,2% (73 milhões) vai para a AML, seguindo-se depois a AMP, à qual caberá 14,5% (15,08 milhões), e as restantes 21 comunidades intermunicipais, às quais caberá uma fatia global de 15,3% (15,9 milhões).

A este valor acresce depois uma participação de 2,5%, o mínimo a que ficam comprometidos este ano os municípios no âmbito do PART. No caso da AML, o valor total chega aos 74,8 milhões.

Questionada sobre o que acontece no caso de a procura provocar uma despesa superior ao previsto, fonte oficial do MATE tinha explicado na semana passada que cabe às áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais aplicar o PART “tendo em conta as dotações previstas”. “Nada obsta a que as autoridades de transportes locais contribuam com uma verba superior ao mínimo de 2,5% estipulado para 2019”,vincou a mesma fonte.

Lisboa e Porto garantem execução

Esta segunda-feira, em reacção a uma notícia do Jornal de Negócios onde se afirmava que a verba para a descida dos preços dos passes em Lisboa não era suficiente, a AML emitiu um comunicado onde afirmou que dispõe “de todas as verbas necessárias para executar a redução do valor dos passes de transporte”.

“O Governo fez aprovar em sede de Orçamento do Estado exactamente o valor necessário à redução proposta pela AML”, lê-se no referido comunicado. Inicialmente, o esforço da administração central para implementar o PART era de 83 milhões mas em sede de discussão do Orçamento do Estado para 2019, e por iniciativa do PCP, o valor subiu para 104 milhões.

Nas contas da AML está incluído o máximo de 30 euros nos passes municipais, de 40 euros na área metropolitana, isenção para criança até aos 12 anos e o “passe família”, com um máximo de 80 euros “independentemente do número de pessoas no agregado”.

Fernando Medina, presidente da AML, afirmou por escrito ao PÚBLICO que o valor do PART vai ser canalizado a 100% para a redução do tarifário, e que se está analisar “as condições técnicas para que o valor pago às empresas de transportes possa ser feito mensalmente”. Esta medida, diz, “não está dependente de qualquer procedimento ou concurso” e que se está a “finalizar o modelo regulamentar e financeiro” com o qual se concretizar passe único.

“Este processo inclui a articulação entre a área metropolitana, todos os municípios, o Governo enquanto responsável pelos operadores do Estado, e ainda com o conjunto alargado dos operadores públicos e privados”. Para que a medida avance é também “necessário fazer o ajuste tecnológico dos sistemas de bilhética de todos os operadores aos novos tarifários, títulos e preços (está a ser articulado e coordenado pela OTLIS)”, explica o autarca.

Questionado sobre se a AML está preparada para um eventual reforço das verbas do PART além do mínimo dos 2,5%, Fernando Medina sublinhou que a AML aprovou em Outubro o co-financiamento do sistema de transportes, com quase 25 milhões de euros. Esse montante “servirá não só para financiar a redução tarifária, mas o aumento da oferta, entre outras medidas, com vista à melhoria da mobilidade”.

No caso do AMP, o seu presidente, Eduardo Vítor Rodrigues, também afastou a ideia de qualquer problema com as verbas. “O valor atribuído a Lisboa e ao Porto é muito diferente mas não há desigualdade de tratamento do Governo. O Porto tem menos gente a usar transportes públicos”, afirmou este responsável na passada quarta-feira, conforme noticiou o PÚBLICO.

“Houve informação de que o dinheiro não chegava e que vinha aí um furacão. Mas não há nenhum problema”, garantiu o socialista, presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia. Neste caso, a AMP está ainda a estudar se o modelo de passe familiar “faz sentido”.

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