Harry Potter: 20 anos depois, ainda há coleccionadores a sonhar com Hogwarts

São fãs da obra de J.K. Rowling, mas também coleccionadores — e têm livros, filmes, trajes e canecas alusivos à saga. Conhecem os cantos a Hogwarts e passaram anos com Harry, Hermione e Ron. Vinte anos após a edição em língua portuguesa dos primeiros livros de Harry Potter, o negócio cresce: vale 22 mil milhões de euros. E o valor vai aumentando com as colecções.

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Rui Paula DR

Era Verão quando Beatriz Pinto descobriu um mundo mágico. Foi em 2001, aos oito anos, com uma tarefa por cumprir: “A professora primária desafiou-nos a ler durante as férias grandes. Eu decidi que ia ler Harry Potter e a Pedra Filosofal, que estava na biblioteca da escola”, recorda a agora relações públicas. Para Ana Rita Silva, começou tudo com os filmes da saga, e a partir daí estabeleceu-se “um amor e ligação especiais”. Para além da amizade, partilham o gosto pelas aventuras de Harry e companhia. Ambas vão reunindo memorabilia relativa à saga em colecções que vão crescendo com o passar dos anos — e que não se fazem só de itens convencionais.

Foram enfeitiçadas pelas palavras de J.K. Rowling, a criadora das aventuras de Harry Potter. Pelo meio, a autora britânica ergueu um fenómeno de milhões que não precisou de feitiços. A Scholastic, editora dos livros Harry Potter, adianta que foram impressos, globalmente, mais de 400 milhões de livros da saga. Sete livros e oito filmes depois, a história vale, segundo a Fortune, 22 mil milhões de euros. A julgar pelo apreço dos fãs, esse número poderá crescer, porque nas contas entra ainda a memorabilia: quase 6,5 mil milhões de euros da receita total advêm de jogos e brinquedos produzidos por marcas como a Hasbro ou a Mattel.

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Beatriz Pinto

Mas as colecções podem fazer-se de itens que não se encontram nas lojas. Ana Rita, terapeuta ocupacional de 23 anos, gosta de ir juntando “simples objectos de onde foram gravados os filmes, como postais”. Ou então “o bilhete real da estação de Kings Cross”, onde vimos (em ecrãs ou nas páginas dos livros) Harry entrar parede adentro na Plataforma 9 ¾. “As coisas mais valiosas, para mim, são essas.” Logo, não se coibiu de trazer “relva de um dos castelos” onde se desenrola a acção. E se não for pelas mãos da própria, algo chegará à sua colecção através de amigos ou familiares que visitem cenários reais da saga.

Para lá de todos os livros e filmes em formato DVD e VHS, tem “livros que aparecem no filme, de feitiços, por exemplo” e “algumas edições especiais como Harry Potter and The Cursed Child, que estreou mundialmente na Livraria Lello”. Junte-se a isso “muitas réplicas de varinhas” das suas personagens favoritas, “uma pequena fábrica de poções e réplicas das mesmas, peças de roupa, luvas e cachecóis”. E o traje, claro. Ganha destaque um livro de feitiços escrito pela própria. “Isso foi quando tinha muito tempo livre!”

Harry Potter da cabeça aos pés

E é também nos tempos livres que Rui Paulo se coloca em frente à câmara e fala para os potterheads em português. Aos 32 anos, o designer diz ter sentido a magia “por volta dos 15”. “Isso permitiu-me ver a saga noutra perspectiva, talvez mais madura, e entender logo muitas das mensagens.” O conhecimento reunido ao longo dos últimos 20 anos é difundido no canal do YouTube Príncipe Misterioso, com mais de 3 mil seguidores. O cenário mostra um pouco da sua colecção. Vemos os bonecos em miniatura da Funko, mas não todos. “Tenho 118 Funko, todos fora da caixa, porque gosto de ver os detalhes e tocar. Guardo-os no cenário, mas outros já se espalharam por ouras partes do escritório.” Como adereços para os vídeos, usa qualquer uma das duas varinhas “feitas à medida” e o cachecol dos Hufflepuff. Sobram ainda as habituais peças de roupa e os livros, tal como Beatriz e Ana Rita, numa colecção que valerá “cerca de mil euros”. Para vir está ainda o traje — dos Hufflepuff, obviamente.

Das diferenças existentes entre as duas amigas, destaca-se uma ligada à vida (à distância) em Hogwarts. Ana Rita é, como Rui, da casa Hufflepuff — “trabalho duro, paciência, lealdade e fair play”. Beatriz diz que sempre pensou ser Gryffindor. “Muita gente identifica-se com essa casa porque, à primeira vista, são os heróis. O Harry, a Hermione e o Ron são Gryffindor. Mas descobri a minha casa através do Pottermore”. No portal, criado por J.K. Rowling, é possível saber a qual das “casas” de Hogwarts pertence cada um, através de um teste. Não “partilha” casa com os três protagonistas, mas antes com o rival de Harry: Draco Malfoy, dos Slytherin. “E sou Slytherin até morrer.”

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Por isso, as duas edições especiais de 20 anos (Pedra Filosofal e Câmara os Segredos) de Harry Potter que figuram na sua estante têm capa verde, para honrar a casa que prioriza “a ambição”. Fazem-lhes companhia a colecção inteira em português, “livros que as personagens usavam na escola, edições especiais com curiosidades dos filmes e até livros de pintar”. “Tenho também os últimos guiões dos Monstros Fantásticos”, acrescenta. Essa é outra aventura literária da autora de Harry Potter (com ligação à saga), igualmente adaptada para o cinema – o segundo filme, Crimes de Grindelwald, teve uma receita de quase 580 milhões de euros.

A Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts marca presença um pouco por toda a sua casa: “t-shirts e sweatshirts, gorro, cachecol e duas carteiras”, e ainda “copos, canecas, e uma varinha que veio dos estúdios do filme”. “Guardo como recordação um jogo muito antigo em alemão, que já é mais complicado para jogar”, brinca. Não faz mal: também tem o Cluedo dedicado à saga.

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Ana Rita Silva DR

“Para mim, é até ao resto da vida”

Como se mantém esta ligação de quase 20 anos com um mundo que não é o nosso? “Às vezes é difícil explicar. Eu era uma criança e eles também. Os livros adaptam-se à idade”, explica. Para Ana Rita, o paralelismo entre as duas realidades é ainda maior: “Quando vi o primeiro filme, o Harry tinha entrado para o primeiro ano de Hogwarts. Eu estava no primeiro ano da primária.” Por isso, sentiu que “os problemas e dúvidas deles” eram também os dela. “E a saga dá lições que não encontras noutra. Não é só magia — o que salva o mundo da magia é o amor.”

Para Beatriz, a partilha do mundo do jovem feiticeiro teve algo de mágico: conheceu-o nas férias de Verão aos oito e deu-o a conhecer a crianças da mesma idade e na mesma estação. “Trabalhava num centro de estudo. No Verão tivemos uma tarde relaxada no parque e decidi levar um dos livros.” A curiosidade dos mais novos aliou-se à sua vontade de explicar o mundo fantástico de Hogwarts. “Para muitos deles, foi amor à primeira vista. Ficaram viciados e compraram tudo e mais alguma coisa. Alguns ainda me vão mandando mensagens sobre Harry Potter.”

A colecção de Rui já tem herdeiro: o filho, de um ano e meio, que “adormece e parece gostar das músicas do primeiro filme, apesar de adormecer a vê-lo”. Os familiares mais novos também têm a sua sorte, como um dos primos, de 11 anos, que começou a interessar-se pela trama. Acompanhou-o, no último 9 de Fevereiro, ao filme-concerto de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, o terceiro da saga, que esgotou. Parece correr no sangue da família: “O meu irmão mais novo também faz alguns vídeos comigo e é fã”.

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A colecção de Rui já tem herdeiro: o filho, de um ano e meio. DR

A tarefa parece ser mais complicada para Ana Rita. “Tento passar o interesse para os familiares mais novos, mas a geração é diferente. Nós não tínhamos tantas coisas para nos entretermos.” Contudo, não acha que seja este o motivo para o desaparecimento do fenómeno: “Vai ser difícil mostrar a parte humana, a própria mensagem e os valores de Harry Potter, mas, para mim, é até ao resto da vida.” Garante que daqui a 20 anos estará a celebrar os 40 da chegada de Harry Potter a Portugal. Tal como Beatriz e Rui – e milhares de outros fãs portugueses. Se algum dia alguém quiser fechar a porta deste mundo, eles saberão o que dizer: Alohomora!

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