Supremo ignora declaração de vontade a dez dias de entrada em vigor de nova lei

Primeira subscritora de petição que exigiu mudança legal de regime incapacidades está a analisar que margem lhe dá a nova lei para cumprir vontade expressa pela mãe.

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Paulo Pimenta

Teresa Silva está estupefacta: o Supremo Tribunal de Justiça ignorou a declaração antecipada de vontade da mãe, que a escolheu para agir em seu nome quando não estivesse capaz de exercer os seus direitos e deveres. A decisão foi tomada a apenas dez dias da entrada em vigor do novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, que prevê que a vontade antes expressa seja tida em conta.

Como primeira subscritora da petição que pedia a mudança do regime de incapacidades, Teresa Silva foi uma das que lutaram pela alteração da lei. Parecia-lhe “inacreditável” que ainda vigorasse o modelo de 1966. A petição, lançado no final de 2017, foi apreciada no Parlamento em 2018. E o novo Regime do Maior Acompanhado foi aprovado, num processo legislativo iniciado há dois anos pelo Ministério da Justiça. Mesmo que não lhe sirva, sente “orgulho” por, de algum modo, ter contribuído para essa mudança.

No acórdão, de 31 de Janeiro, o colectivo de juízes refere que não pode considerar argumentos que se extraem do novo regime, que entra em vigor a 10 de Fevereiro, embora os novos critérios de escolha do acompanhante lhe pareçam uma “solução legítima e justificada". Confirmou então a decisão da primeira instância que, ignorando a vontade da mãe de Teresa, e tendo em conta a vontade de três dos quatro filhos, atribuía a tutela ao filho mais velho.

Teresa Silva está agora a analisar, com a advogada, o que pode fazer para cumprir a vontade da mãe que em 2012, na presença de um notário e de dois médicos, declarou que, se viesse a perder capacidade de decisão, queria que fosse a filha mais nova a tratar dos seus assuntos, incluindo a gestão das suas contas bancárias.

Mais uns dias e não haveria dúvida: a nova lei tem aplicação imediata aos processos de interdição e de inabilitação pendentes aquando da sua entrada em vigor. Assim, tudo se complica. As interdições e inabilitações que foram sendo declaradas ao longo dos últimos 40 anos não transitam, de forma automática, para o novo modelo de acompanhamento. É preciso pedir ao tribunal que reaprecie o processo. E o pedido de revisão só pode ser feito pelo revisto a pedido do próprio, do acompanhante ou do Ministério Público, à luz do regime actual.

Esta é uma pendência ou uma decisão? A sentença, de 19 de Junho de 2017, nunca foi cumprida. Há 10 dias para a decisão do Supremo transitar em julgado. Teresa foi notificada dia 1. O prazo começou a contar dia 2. Não quer pensar no transtorno que uma mudança abrupta de estilo de vida causaria à mãe, que está com 97 anos.

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