Na saúde, os enfermeiros são a dor de cabeça de Costa

Da esquerda à direita, as bancadas estiveram em sintonia na condenação da violência doméstica.

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António Costa no início de debate Mário Cruz/Lusa

Se tudo vai bem nos indicadores da saúde, segundo as palavras do primeiro-ministro, a guerra com os enfermeiros parece estar fora do tom. No debate quinzenal, António Costa voltou a ser duro com a bastonária Ana Rita Cavaco e a avisar que, nesta luta dos profissionais de saúde, está a ser pedido o “impossível”. O tom consensual – em que houve 100% de acordo – foi reservado ao combate à violência doméstica, a propósito dos crimes dos últimos dias.

A bloquista Catarina Martins deu o mote sobre a guerra dos enfermeiros ao distinguir que estes profissionais “são muito melhores do que a sua bastonária”. António Costa concordou ao dizer que o Governo tem tido “cuidado” em “não fazer essa confusão” e aproveitou para pôr travão às reivindicações que, por não serem atendidas, têm levado às greves cirúrgicas nos blocos operatórios: “Não nos peçam para fazer o impossível”. A ideia de que tudo é possível “ao mesmo tempo” é “errada” e “perniciosa”, argumentou. Já no final do debate, em resposta a uma interpelação do PS, aproveitou para recordar o que já foi concedido aos enfermeiros desde 2016 e aquilo que está a ser pedido nas negociações – aumentar o salário de início de carreira de 1200 para 1600 euros. Sobre isso António Costa voltou a mostrar-se intransigente e a acusar a bastonária da Ordem dos Enfermeiros de praticar "ilegalidades" ao promover greves. “É absolutamente incomportável”, alegou, acrescentando que seria injusto para outras carreiras da Função Pública.

A saúde tem sido uma arma utilizada pelo líder da bancada do PSD no confronto o primeiro-ministro. Mas não desta vez. Fernando Negrão preferiu começar pelos números de mulheres mortas este ano, vítimas de violência doméstica, um assunto que mereceu logo a condenação do primeiro-ministro. António Costa aproveitou para anunciar uma reunião entre os ministros da Justiça e Administração Interna, a procuradora-geral da República e as forças de segurança "para aperfeiçoar a resposta". "Nenhum de nós pode dormir descansado" enquanto continuar a haver alguma vítima de violência doméstica, disse. O chefe de executivo voltaria a dizer que está “100% de acordo” com a necessidade de uma melhor resposta das autoridades a queixas de violência doméstica e que foi defendida como "urgente" pelo deputado do PAN, André Silva.

Numa intervenção com vários temas, Negrão perguntou depois sobre o plano de contingência do Governo sobre a Venezuela – aliás a situação neste país atravessou todas as bancadas – mas a resposta acabou por ser um embaraço para o PSD. O primeiro-ministro escusou-se a dar mais detalhes em público sobre o plano por já tê-lo feito ao PSD “pelos canais próprios” e disse ter presumido que a informação tinha chegado ao líder da bancada. Houve perguntas sobre saúde – como a do risco de encerramento nocturno da urgência pediátrica do Hospital Garcia de Horta – mas também sobre ferrovia e a queda de um motor de um comboio esta semana. A interpelação sobre a decisão dos Governos anteriores de não abrir concursos para compra de comboios gerou uma troca de acusações sobre quem herdou – e recuperou financeiramente - a bancarrota do país e a da Câmara de Lisboa.

A Venezuela viria novamente a debate pela voz de Jerónimo de Sousa, que condenou o Governo por dar apoio a um "Presidente fantoche" autoproclamado da Venezuela, "posto pelo Trump e Bolsonaro". O secretário-geral do PCP disse que com esta decisão o executivo torna-se responsável pelo que possa acontecer à comunidade portuguesa residente no país. 

"A única posição consentânea com a paz e com o interesse do povo venezuelano é o direito a decidir do seu futuro", apontou Jerónimo de Sousa. Uma tese que António Costa disse ser, também, a do Governo.

Do lado oposto no hemiciclo, Assunção Cristas saudou a posição do Governo sobre a Venezuela mas trazia no bolso o tema dos impostos europeus em jeito de pré-campanha para as eleições europeias. Num tom muito mais ameno do que o debate de há 15 dias, a líder do CDS defendeu que é preciso travar a proposta de acabar com a regra da unanimidade para a tributação fiscal na União Europeia. António Costa discordou e sustentou que a regra actual protege "países que querem ser paraísos fiscais", nessas áreas, como a digital. O primeiro-ministro argumentou ainda com a necessidade de aumentar a receita – através da tributação a multinacionais tecnológicas – e de não afectar os fundos de coesão. “Hoje a Google, amanhã o mar português”, alertou Cristas. Depois de a discordância ser evidente entre os dois, Costa aproveitou para dizer, com um sorriso, que aquelas eram as “divergências saudáveis”.

O momento um pouco caricato surgiria no final do debate quando Heloísa Apolónia, do PEV, questionou o primeiro-ministro sobre medidas para combater as emissões poluentes atribuídas à Siderurgia Nacional, em Paio Pires. Costa parece ter sido sincero e disse que não lhe podia responder porque a resposta que lhe tinha acabado de ser dada era “indizível”. Não parece que tenha sido por causa de uma letra ilegível porque o primeiro-ministro rematou: “Confie em mim, é melhor para mim não ler e é melhor para si não ouvir”. E pousou o papel em cima da bancada.

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