É com certeza uma fria casa portuguesa

A média de casas mal aquecidas na União Europeia anda em torno dos 8%. Em Portugal temos o dobro das casas frias: 22%.

Não é preciso consultar os dados do Eurostat para confirmar o que sentimos nos ossos, mas cá vai: Portugal é um dos países europeus onde se passa mais frio dentro de casa. Pior do que nós, só Bulgária, Grécia e Chipre. A média de casas mal aquecidas na União Europeia anda em torno dos 8%. Em Portugal temos o dobro das casas frias: 22%. Qualquer estrangeiro ou português emigrante nos dirá o mesmo: nos países frios as casas estão (têm de estar, é claro) bem aquecidas. Em Portugal o tempo até pode estar mais morninho lá fora, mas enregela-se dentro de casa. E há outros países do Sul, como a Espanha, que estão na média da União Europeia com apenas 8% de casas onde se passa frio.

Será passar frio dentro de casa uma fatalidade nacional? Não; trata-se apenas de mais um dos legados do nosso passado que se revela extraordinariamente árduo de superar. Não é difícil entender que as nossas casas não tenham sido pensadas para um frio que não é a regra da maior parte do ano no nosso país. Mas isso não nos impede de perceber que com algum trabalho ao nível do isolamento e da eficiência energética as nossas casas — e não só as casas, também as escolas, hospitais, locais de trabalho e edifícios públicos — se possam tornar mais habitáveis durante os meses frios no nosso país. O frio afeta especialmente as populações sénior e abaixo da linha de pobreza, que gastam uma parte desproporcionada dos seus parcos rendimentos a tentarem manter-se aquecidos, mas que não têm fundos disponíveis para investir no tipo de isolamento e aquecimento das casas que lhes permitiria viver de forma mais confortável, pagando até menos a longo prazo. Por sua vez, este estado de coisas também não sai barato ao país, se pensarmos nos efeitos para a saúde pública, para a produtividade, no desperdício energético, e nos gastos excessivos em tentativas pouco eficientes para viver de forma menos desconfortável. Perdemos dinheiro, ou gastamo-lo mal, como famílias e como país, a viver mal durante o inverno.

Noutra fase do nosso ciclo orçamental e económico a ideia de trazer considerações como esta para as nossas políticas públicas poderia ser entendida como inoportuna. Mas acontece que agora temos uma conjunção de dois fatores que podem fazer deste o momento ideal para algum investimento público nesta área. Por um lado, o estado tem agora um superavit orçamental — o que, por si só, não significa que o devamos gastar por gastar. Por outro lado, a economia dá sinais de abrandamento ou até recessivos. Um plano de investimentos na eficiência energética e no isolamento das casas e outros edifícios, nomeadamente locais de trabalho, aprendizagem e convalescença, poderia incluir algumas obras públicas e eventualmente alguns créditos fiscais para obras privadas; pela disseminação e distribuição geográfica de tal plano, estimularia o emprego e a economia a partir de baixo. Argumento decisivo, tal investimento significaria gastar algum dinheiro agora para poupar depois. Casas bem isoladas são mais baratas de aquecer. Locais de trabalho bem aquecidos durante os meses frios ajudam a aumentar a produtividade. Aquecer as casas e locais de trabalho dos portugueses não só conforta como compensa.

É verdade que a capacidade de investimento do Estado português ainda é relativamente reduzida; mas há fundos da UE disponíveis precisamente para aumentar a eficiência energética dos aquecimentos nos edifícios europeus. Esses fundos foram criados para apoiar os países do Leste como a Polónia a substituirem os seus sistemas de aquecimento muito poluentes, baseados no carvão, por outros sistemas mais eficientes e menos poluentes que ajudem a Europa a cumprir com as suas metas na luta contra as alterações climáticas.

E aqui entra um elemento mais geral, e para mim decisivo, para justificar medidas públicas numa área como esta. Todos sabemos que estamos hoje perante uma crise ecológica. Cada vez mais pessoas concordam que essa crise ecológica justificaria um Green New Deal, ou seja, um novo contrato social e ecológico para salvar o planeta, passando por um grande plano de investimentos nas infraestruturas e nos empregos do futuro, de dimensões semelhantes ao New Deal original durante a Grande Depressão ou ao Plano Marshall no pós-guerra europeu (e há, pelo menos na UE, fundos disponíveis para o fazer, seja através do orçamento da União, do Fundo Europeu de Investimentos, ou através dos recursos que se perdem no planeamento fiscal agressivo ou na fraude chamada “do IVA em carrossel”). O problema com o Green New Deal é que ele não pode ser um plano abstrato nem longínquo. Um “novo contrato verde” não pode ser só taxação — o grande erro que cometeu Macron, por exemplo —, tem de ser em primeiro lugar um plano de investimento público implementado perto das pessoas e com benefícios tangíveis para elas.

Neste momento, em Portugal, vejo pouco benefícios mais tangíveis do que ajudar as pessoas a estar mais quentes em casa, estimulando a economia e o emprego, poupando dinheiro a longo prazo, e ajudando a combater a crise ecológica. A qualidade de vida não pode ser uma preocupação menor das políticas públicas. O conforto não deve ser um luxo.

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