Contratação colectiva ainda faz abordagem “tímida” da digitalização

Estudo do Centro de Relações Laborais concluiu que os temas tratados nas convenções assinadas por patrões e sindicatos não vão além dos meios de comunicação electrónica, do teletrabalho ou da vigilância electrónica. Mas o campo de intervenção da contratação colectiva é "amplo".

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Trabalho fora do escritório é uma realidade em algumas empresas, sem que isso esteja previsto nos contratos colectivos Miguel Madeira

Os fenómenos da digitalização podem alterar o paradigma das relações de trabalho num futuro próximo, mas as convenções colectivas ainda têm uma abordagem muito “tímida” destas temáticas. Esta é uma das conclusões do estudo "A Economia Digital e a Negociação Colectiva" que o Centro de Relações do Trabalho apresenta nesta quinta-feira, em Lisboa, e que dá conta do “amplo” espaço de intervenção da contratação colectiva no tratamento destes fenómenos em particular no desenvolvimento do teletrabalho, na prevenção de acidentes ou ao nível dos tempos de trabalho. 

O estudo teve como ponto de partida um questionário que foi respondido por 59 empresas, membros de comissões de trabalhadores, dirigentes sindicais e responsáveis por associações de empregadores com o objectivo de recolher informação sobre os impactos das tecnologias digitais nas práticas que as empresas já adoptaram e até que ponto a contratação colectiva integra essas ou outras práticas.

De acordo com o inquérito, adianta ao PÚBLICO Rosário Palma Ramalho, professora catedrática da Faculdade de Direito de Lisboa e autora do estudo, há um consenso entre empregadores e trabalhadores no sentido de que “os fenómenos da digitalização têm projecções brutais na gestão da relação de trabalho”.

Apesar dessa consciência, nota, há ainda uma abordagem “tímida” por parte da contratação colectiva destas matérias. “Há abordagens relacionadas com os meios de comunicação electrónica, o teletrabalho, os meios de vigilância electrónica ou com a formação profissional em tecnologias. Este são conteúdos das convenções colectivas que, directa ou indirectamente, reflectem já a evolução tecnológica, mas como é óbvio ainda é tímido”, acrescenta a também presidente da Associação Portuguesa de Direito do Trabalho.

Rosário Palma Ramalho aponta algumas razões para que assim seja. Por um lado está-se perante um fenómeno relativamente novo e as partes que negoceiam as convenções podem não estar ainda despertas para estas temáticas ou então não sentem necessidade de as levar para a mesa da negociação. Por outro lado, pode haver uma certa falta de consciência daquilo que é possível fazer.

Isso não significa que as empresas não adoptem soluções que incorporam as possibilidades abertas pela digitalização. "Por vezes, as empresas implementam as práticas e as convenções colectivas ainda não chegaram lá", diz a especialista, dando como exemplo várias formas de trabalho à distância que as empresas já adoptaram e "que vão muito para além daquilo que o Código do Trabalho chama de teletrabalho". 

O estudo mostra ainda que a negociação colectiva tem “um amplo espaço de intervenção” no acompanhamento do processo tecnológico. Os inquiridos deixaram algumas áreas de possível intervenção relacionadas com o incentivo do teletrabalho, a diminuição dos tempos de permanência dos trabalhadores na empresa, facilitando a conciliação do trabalho com as responsabilidades familiares, ou a prevenção de acidentes de trabalho. Estas possibilidades trazem, contudo, riscos associados ao nível da invasão da vida privada ou da fronteira entre tempo de trabalho e de descanso. 

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