Paio Pires ultrapassou valor-limite de partículas inaláveis durante 13 dias. Siderurgia diz que não houve “anomalias”

A Siderurgia Nacional confirma ter recebido várias "reclamações" sobre o pó branco que caiu em Paio Pires, mas diz que “não foram detectadas quaisquer situações anómalas" que possam ser associadas ao acidente.

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Nuno Ferreira Santos

Só neste primeiro mês de 2019, o medidor de partículas inaláveis na Aldeia de Paio Pires, no Seixal, ultrapassou durante 13 dias o valor-limite de protecção da saúde humana, mostram as contas da associação ambiental Zero. As queixas dos moradores acerca de um pó branco que, desde as primeiras semanas do ano, cobre edifícios e automóveis, já motivaram uma investigação do Ministério Público, avançou o PÚBLICO na segunda-feira.

A Zero usou os dados disponíveis no site da Agência Portuguesa do Ambiente que, “apesar de ainda não validados”, permitem fazer uma leitura dos primeiros 28 dias do ano. Nesse período “verificaram-se 13 dias, quase metade do período analisado, acima do valor-limite diário de partículas inaláveis [diário] de 50 microgramas por metro cúbico”, lê-se num comunicado da organização. A média diária foi de 51 microgramas por metro cúbico, sendo que “a legislação não permite mais de 35 dias por ano de ultrapassagem aos valores-limite diários e a média anual não pode ultrapassar os 40 microgramas por metro cúbico”.

Noutros pontos do país também se verificam ultrapassagens do valor-limite, mas em menor número e causadas por outro “problema preocupante mas mais facilmente identificável que é a queima de biomassa em lareiras”.

E, se é verdade que as condições meteorológicas das últimas semanas, com vento fraco e temperaturas baixas, poderão ter sido decisivas para uma maior concentração dos poluentes, também é verdade, como salienta a Zero, que a SN-Seixal (a designação actual da Siderurgia Nacional), “eventual fonte dos elevados níveis de partículas em causa”, tem sido alvo de "controvérsia" nos últimos anos. A empresa foi “alvo de diversas acções inspectivas e de melhoria que, a ser confirmada como fonte de poluição verificada, não têm tido o reflexo positivo esperado”.

Ainda mais grave e “inadmissível”, para a associação ambientalista, é o facto de a área de Lisboa e Vale do Tejo, onde se situa a SN-Seixal, não ter um plano de melhoria da qualidade do ar desde 2012. O plano apresentado em 2017, com medidas até 2020, que deveria ser aprovado pelo Ministério do Ambiente e da Transição Energética, ainda espera o “sim”.

No mesmo comunicado, a Zero toca na questão de a única estação de monitorização da qualidade do ar existente em Paio Pires ser insuficiente porque “as populações mais afectadas não se encontram nas imediações dessa estação”. Como agravante, desde 2011 que não “se realizam análises aos metais pesados presentes nas partículas” o que é “incompreensível dado o tipo de indústria e o passivo que ainda persiste no local, nomeadamente a montanha de escórias a céu aberto”.

A Agência Portuguesa do Ambiente reconhece que ter apenas um medidor é uma fragilidade no documento de licenciamento da Siderurgia Nacional e determina que se considere a instalação de “um ponto de amostragem adicional com localização no exterior da instalação próximo da população da Aldeia de Paio Pires”.

SN-Seixal rejeita responsabilidade pelo pó branco

Em resposta ao PÚBLICO, a SN-Seixal, propriedade do grupo espanhol Megasa, que dista apenas 300 metros do centro histórico da Aldeia de Paio Pires, reconhece ter recebido várias “reclamações” sobre o pó branco “na última semana de Dezembro e a primeira semana de Janeiro”, que originaram uma “análise interna”. Estas reclamações motivaram ainda uma vistoria da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT), encarregada de gerir e avaliar a qualidade do ar naquela zona.

“Não foram detectadas quaisquer situações anómalas na empresa que conseguíssemos associar como causa para incidente indicado. Não foi também identificada qualquer anomalia ao nível do sistema de tratamento de gases e poeiras, nem qualquer alteração de métodos de trabalho ou de aplicação de mitigação de emissões difusas”, acrescenta fonte oficial da empresa por e-mail. Ainda assim, acrescenta, foram reforçadas a “inspecção diária” e a “vigilância” e paralisadas “todas as movimentações de resíduos e matérias-primas, excepto as estritamente necessárias para manter os mínimos de operação da instalação”.

Questionada sobre medidas de protecção ambiental adicionais adoptadas pela empresa, a Siderurgia Nacional afirma cumprir a legislação aplicável, monitorizando e realizando “análises periódicas nas suas fontes de emissão, de acordo com as orientações emitidas pelas autoridades ambientais e não só”, que não detalha. A empresa afirma ainda submeter-se a auditorias ambientais periódicas, conduzidas por “entidades externas e independentes”.

A SN-Seixal admite ainda investir “vários milhões de euros durante 2019 e 2020", com o reforço "na capacidade do sistema de despoeiramento da Aciaria [unidade de transformação de ferro em aço] e colocação de barreiras arbóreas e acústicas”. Esta última medida já estava prevista no documento de licenciamento ambiental da Agência Portuguesa do Ambiente, datado de 2017 e válido por mais cinco anos.

No mesmo e-mail, a empresa admite ainda não ter conhecimento da investigação do Ministério Público, sobre as amostras de pó branco e poluição, encontradas em automóveis e edifícios e recolhidas pela GNR na Aldeia de Paio Pires, depois de várias queixas apresentadas pela população.

A GNR detalha que as amostras foram recolhidas no dia 19 de Janeiro e foram encaminhadas para a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), “no sentido de serem efectuadas as respectivas análises”. “A GNR, através do Núcleo de Protecção Ambiental de Almada, está a acompanhar esta situação, estando ainda a decorrer diligências”, acrescentou ao PÚBLICO fonte oficial da GNR.

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