Venezuela, o triste estado do mundo

Hoje, como outrora, há autocratas imunes à força das palavras e dos princípios. Não parece é haver condições para os derrubar.

Repetindo a sua habitual incapacidade para liderar as grandes questões internacionais, a União Europeia lá acabou por dar uma resposta à terrível crise venezuelana seguindo a reboque das posições de três dos seus quatro principais Estados-membros (o Reino Unido é já, infelizmente, uma carta fora do baralho). Vale mais tarde do que nunca, até porque a exigência europeia é a única que neste momento faz algum sentido: forçar Nicolás Maduro a organizar eleições livres no prazo de oito dias sob pena de reconhecer a legitimidade de Juan Guaidó. O que foi feito foi bem feito, mas, reconheçamos, fez-se o mais fácil: falar. É difícil acreditar que o povo da Venezuela tenha o que deve ter apenas com palavras.

A natureza do regime de Nicolás Maduro desconhece em absoluto a influência e o exemplo moral das democracias ocidentais, a lei internacional, os direitos humanos, o Estado de direito, a respeitabilidade ou a decência. Quem condena todo um povo à miséria e cria no vazio uma ditadura que prende, mata ou tortura todos os que se lhe opõem fará tudo para garantir a sobrevivência e a corrupção. Enquanto Maduro tiver o controlo do aparelho do Estado e das forças armadas, não haverá pressão internacional, apelos ou manifestações da vontade popular com qualquer eficácia. Ou algo de surpreendente acontece na próxima semana, ou Guaidó será cilindrado pelo ditador de Caracas.

Uma decisão consensual do Conselho de Segurança da ONU permitiria outro tipo de intervenção – há momentos em que o recurso à força das armas para depor ditadores e resgatar a vida de milhões de pessoas em sofrimento se justifica. A simpatia da Rússia e da China pelos autocratas (e o desejo do petróleo) afastam esse cenário. Face a esta impossibilidade, todos os caminhos que restam revelam o triste estado do mundo. Uma ingerência norte-americana sob a égide de Donald Trump seria um pesadelo. Uma intervenção dos países vizinhos daria palco ao pior do militarismo brasileiro que já se encontra confortavelmente instalado no Governo de Bolsonaro. A ONU é ela própria um figurante sem papel no mundo actual.

O pesadelo venezuelano está para continuar. Os optimistas que há uns anos acreditavam no sonho da democracia à escala planetária constatam que, hoje, os exemplos das mais odiosas ditaduras sul-americanas podem resistir à custa das divisões do mundo que sobraram da Guerra Fria e da fraqueza do que resta do mundo livre. Hoje, como outrora, há autocratas imunes à força das palavras e dos princípios. Não parece é haver condições para os derrubar.

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