Caixa denunciou Sócrates e motivou Operação Marquês

Expresso avança que investigação ao ex-primeiro-ministro começou com relatório enviado em 2013 pela Caixa à PJ. Nele, o banco dizia que Sócrates usaria a conta da mãe como “conta de passagem”. José Sócrates considera ilegal a “investigação secreta” feita antes da abertura do inquérito.

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Fernando Veludo/nfactos

Foi a Caixa Geral de Depósitos (CGD) que denunciou José Sócrates e lançou a semente da Operação Marquês, avança este sábado o Expresso e confirmou o PÚBLICO. O semanário consultou mais de 500 páginas, até agora desconhecidas, que mostra como a investigação ao ex-primeiro-ministro começou com um relatório da Caixa dando conta da existência de transferências suspeitas de Carlos Santos Silva para a conta da mãe de Sócrates, que, segundo a acusação, funcionou como uma “conta de passagem”.

Segundo estes documentos, a Caixa denunciou Sócrates à Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária em Abril de 2013, assinalando um possível esquema em que o ex-primeiro-ministro terá recebido, através da mãe (Maria Adelaide Monteiro), mais de meio milhão de euros do empresário e amigo Carlos Santos Silva.

Expresso (acesso pago) chama-lhe o “capítulo oculto da Operação Marquês”. Ficou disponível este mês como anexo dos autos do processo – meio milhar de "páginas inéditas" relativas aos primórdios do caso, as primeiras de todas a serem produzidas, antes mesmo de haver uma investigação oficial.

Ainda no ano de 2013, esta comunicação bancária feita no âmbito do sistema de prevenção do branqueamento de capitais desperta a atenção do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). “Comunicou a CGD a verificação de operações suspeitas em conta de José Sócrates Pinto de Sousa, porquanto teria recebido na sua conta, entre Junho e Dezembro de 2012, transferências no montante total de 450 mil euros, com origem na conta da sua mãe, Adelaide Monteiro”, pode ler-se num ofício deste departamento do Ministério Público, que tem por missão investigar a criminalidade económico financeira mais complexa.

“Fundamenta essencialmente a suspeita o facto de as transferências terem sido suportadas por créditos registados na conta de Adelaide Monteiro, que tiveram origem em conta titulada por Carlos Santos Silva – o qual, por sua vez, já havia sido alvo de comunicação por anterior operação suspeita”, refere o ofício.

Em Março de 2012, o empresário amigo do ex-primeiro-ministro havia emitido um cheque de 600 mil euros que foi depositado numa conta que a empresa Codecity tinha aberta na CGD – firma de Rui Pedro Soares que, logo em Maio seguinte, veio a devolver essa quantia a Santos Silva, também por cheque. Ora, deu-se a coincidência de 600 mil euros ter sido a quantia que perfaziam três transferências do empresário entre Junho e Setembro desse ano para a conta da mãe de José Sócrates.

O facto de o ex-primeiro-ministro ter amortizado parcialmente, com o dinheiro que recebeu da progenitora, um empréstimo de 120 mil euros que contraíra junto da CGD contribuiu para adensar as suspeitas das autoridades. Suspeitas que, porém, acabaram por ser dissipadas no que a estas transferências bancárias específicas diz respeito.

Em Setembro de 2012 Adelaide Monteiro vendeu ao amigo do filho, precisamente por 600 mil euros, um apartamento que tinha no mesmo edifício em que habitava José Sócrates na altura, na Rua Braancamp, em Lisboa. O DCIAP acaba por concluir nesta fase da investigação, em 2013, não terem sido recolhidos elementos que configurassem um negócio de favor na transacção do apartamento – ou que a conta do empresário tivesse servido de passagem para fundos destinados ao antigo líder socialista.

“O relacionamento entre as contas de José Sócrates e da sua mãe traduz a existência de negócios familiares, mas não a criação de justificativos para ocultar a verdadeira origem dos fundos”, concluíram na altura os investigadores que decidiram que não se justificava converter esta averiguação preliminar num inquérito formal. Porém, o mesmo não sucedeu com os indícios bancários relativos a Carlos Santos Silva.

Segundo o semanário Expresso, nem os arguidos nem os advogados tiveram acesso a estes autos – até agora. Foi o juiz Ivo Rosa que exigiu estes documentos a tempo de estarem disponíveis no início das sessões planeadas para a actual fase de instrução da Operação Marquês, marcados para segunda-feira, dia em que decorre o interrogatório da arguida Bárbara Vara, filha do ex-ministro socialista Armando Vara.​ A abertura da instrução, fase processual facultativa, foi requerida por vários dos advogados de defesa.​

Sócrates considera que "investigação secreta" é ilegal

O antigo primeiro-ministro, José Sócrates, considera ilegal a "investigação secreta" feita antes da abertura do inquérito do processo da Operação Marquês, no qual é arguido.

Numa declaração escrita enviada à agência Lusa, neste sábado, José Sócrates considera que a "investigação secreta" — designação usada na manchete do Expresso — é ilegal.

"Acontece que investigações secretas são ilegais. Isso é próprio de serviços de informação, não de organismos decentes da administração penal", refere o ex-primeiro-ministro e arguido na Operação Marquês.

Na declaração enviada à Lusa, Sócrates diz que "a Caixa Geral de Depósitos sabia muito bem que as transferências" entre a conta da mãe e a sua "tinham na sua origem a venda" do andar daquela por 600 mil euros.

Sócrates, que chegou a estar preso preventivamente durante dez meses e depois em prisão domiciliária, está acusado de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada.

Notícia actualizada às 17h45 com resposta de José Sócrates

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