No tear de Maria molda-se o futuro das cestas de junco

Tradicionais, reutilizáveis e biodegradáveis - as cestas de junco parecem ser uma solução para a sustentabilidade. Numa vila que já esteve dependente desta tradição durante décadas, contam-se pelos dedos de uma mão quantos artesãos ainda resistem. Maria do Carmo, 51 anos, é uma delas.

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Maria do Carmo é uma das artesãs que resistem em Forjães Nelson Garrido

Se há quatro décadas dissessem que actualmente iria contar-se pelos dedos de uma mão quantos artesãos de cestas de junco ainda resistiam na freguesia de Forjães, em Esposende, seria difícil de acreditar. Vila há 30 anos, Forjães carrega um passado abonado em cultura popular e tradicional. E o seu nome está intrinsecamente ligado às cestas de junco. Tradicionais, coloridas, reutilizáveis e biodegradáveis. Numa altura em que a problemática do plástico está na ordem do dia, estas sacolas parecem fazer parte da lista de soluções “amigas do ambiente”. Mas, sem ninguém que leve a tradição “para a frente”, isso não chega. Cabe a Maria do Carmo, 51 anos, ser o presente e o futuro da actividade minhota, que parece ter os dias contados.

Para lá da porta número 687, na Rua das Quintas, em Forjães, um caminho de terra ainda com vestígios da chuva da madrugada leva-nos à Lançadeira, negócio de cestas de junco que Maria do Carmo abriu há cerca de quatro anos. Aprendeu esta arte “com pessoas da terra” quando saiu da escola, uma altura em que esta era uma profissão que sustentava grande parte das famílias da vila de Forjães. Tinha 12 anos. Até aos 26, foi trabalhando e aperfeiçoando a técnica. Aprendeu “tudo o que havia para saber”.

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Lançadeira é o negócio de cestas de junco que Maria do Carmo abriu Nelson Garrido

Mas “quando Portugal entrou na Comunidade Económica Europeia houve uma grande crise”, conta Maria, de mãos no tear mas olhos desviados, segurança de quem faz o mesmo trabalho há anos. “Começou a vir muito mercado de fora e as pessoas começaram a escolher outras coisas”. E, numa terra que vivia do artesanato e da agricultura, “tudo mudou”. As actividades industrial e mercantil aumentaram, os mais novos começaram a terminar os estudos, muitos seguiram para a universidade. A dependência do artesanato foi, gradualmente, diminuindo.

Maria do Carmo, com três filhos, foi-se “desenrascando”. Esteve numa fábrica durante 15 anos, participou no programa governamental Novas Oportunidades, trabalhou na lavoura, fez limpezas e ainda esteve dois anos num hipermercado. Por ter “um pedido aqui e um pedido ali”, em 2013, voltou a apanhar o junco, montou o tear e recomeçou a “aventura”. Até hoje. Começou por uma “oficina improvisada”, com uns toldos à volta do tear. “Passava um frio que Deus me livre!” Com as feiras promovidas pela Câmara – onde às vezes “o dinheiro que a gente fazia não compensava nem o lugar, o transporte ou a alimentação dos dias de feira” – foi divulgando o trabalho. A criação de uma página do Facebook, “coisas dos filhos”, ajudou. Na lista de clientes já escreve o Japão, Nova Iorque, República Dominicana, Brasil, Itália, Espanha e França. “É incrível como a vida dá tantas voltas”, conta a artesã natural de Forjães.

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Agora, algumas cestas são biodegradáveis e reutilizáveis Nelson Garrido

Enquanto conversa com o PÚBLICO, Maria do Carmo vai adiantando trabalho. Corta um molho de junco e, esteira a esteira, a cesta vai ganhando forma. Afinal, tem uma encomenda de “140 cestas todas iguais, com o tradicional desenho de flores, para seguir na próxima semana para Nova Iorque” e não pode perder muito tempo. De facto, os estrangeiros são os melhores clientes ou, pelo menos, os que fazem maiores encomendas “para revenda”. E Maria até prefere porque pode fazer “um preço diferente e eles aceitam”. “Em Portugal, 23% de IVA é muito dinheiro e aumenta muito o valor de uma cesta. Isso faz o cliente pensar duas vezes”, lamenta. Os preços vão variando consoante o tamanho e as aplicações que coloca nas malas. Variam entre os 10 e os 40 euros.

Se antes a utilização da cesta de junco era limitada pelo “ir às compras”, hoje “é mais por vaidade”. Servem para os piqueniques, praia ou para usar como pochete. Há um “gosto por utilizar a cesta”, garante. Não só por “ser bonita”, mas por ser portuguesa e “amiga do ambiente”, conta Maria. “Noto muito isso nas feiras, por exemplo.” As cestas são feitas com o junco apanhado durante os três meses de Verão. “E as tintas para tingir as cores são naturais”, realça a artesã. O fio utilizado para unir as esteiras é de juta e, por isso, “é tudo biodegradável”. “Todos devemos preocupar-nos com o ambiente e isto é uma coisa que não polui.”

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Câmara pondera criar um museu. Para preservar a memória da terra Nelson Garrido

“Os turistas gostam [sobretudo] das cores, mas também por serem produzidas com materiais naturais. Sem plásticos pelo meio. Há uma consciencialização muito maior por parte das pessoas que utilizam esses produtos.” Quem o diz é o historiador Manuel Penteado Neiva, natural de Forjães. Mas esse interesse não chega para fazer desta actividade uma arte rentável e com futuro. Reconhece que o grande problema desta tradição é a “continuidade”, pelo menos na vila de Forjães, já que esta tradição também existe em Alcobaça. “Não há muito interesse dos mais novos em aprender porque a rentabilidade económica é baixa”, corrobora Brochado de Almeida, professor na Universidade do Porto.

Da parte da Câmara Municipal de Esposende, estão em vista algumas iniciativas para a promoção deste artesanato, garantem ao PÚBLICO. Um Museu do Junco de Forjães, por exemplo. Porque, “se a profissão desaparecer”, diz o também arqueólogo Brochado de Almeida, “ao menos que fique a memória”.

Texto editado por Ana Fernandes

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