Isabel Mota reconhece que não falta polémica à nova biografia de Gulbenkian

No lançamento da obra de Jonathan Conlin, Marcelo Rebelo de Sousa revelou ter documentos inéditos sobre a fundação e comentou que os jogos de bastidores que levaram à sua instalação em Portugal são fascinantes.

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Isabel Mota, presidente da Fundação Gulbenkian Nuno Ferreira Santos

A presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Isabel Mota, disse ao final da tarde desta quinta-feira que a nova biografia de Calouste Gulbenkian, feita com o apoio da fundação, “não [é] isenta de polémica”, até pela personalidade “maior do que a vida” do próprio fundador.

Isabel Mota, que falava na sessão de lançamento da biografia O Homem Mais Rico do Mundo, As Muitas Vidas de Calouste Gulbenkian, de Jonathan Conlin, tinha sublinhado momentos antes que esta é uma biografia “independente”, de que o autor teve “total controlo editorial”.

Perante um auditório completamente cheio, e diante do Presidente da República, Isabel Mota lembrou que o acordo entre o historiador inglês e a Gulbenkian foi estabelecido em 2011, quando Rui Vilar era presidente da fundação, e lembrou que o lançamento da biografia é apenas o início das comemorações dos 150 anos do nascimento de Calouste Gulbenkian, que se celebram em 2019. O apoio financeiro da fundação à biografia, anunciado no início do projecto, foi de 350 mil euros.

Mas como na investigação histórica, continuou Isabel Mota, “nunca há versões definitivas”, a presidente da fundação convidou outros investigadores a debruçarem-se sobre esta figura que “soube fazer como poucos a síntese entre o Oriente e o Ocidente”. A presidente vincou que “a fundação é o principal legado de Calouste Gulbenkian”, um legado “para a humanidade”, realçando “o papel de todos os presidentes da fundação, “desde José de Azeredo Perdigão”, o primeiro, “incluindo Mikhael Essayan”, neto do fundador e único presidente honorário, "que souberam dar forma aos desígnios filantrópicos de Calouste Gulbenkian. Uma das revelações da obra de Jonathan Conlin é mostrar que houve uma articulação muito próxima entre Azeredo Perdigão e António de Oliveira Salazar, à data primeiro-ministro e líder do Estado Novo, para impor a Cyril Radcliffe, executor testamentário tal como Perdigão, uma visão mais portuguesa da fundação do que teria sido a vontade do próprio Gulbenkian.

Mota terminou o seu discurso a citar o poeta T.S. Eliot: “O passado e o futuro estão, porventura, contidos no presente.” Pouco depois, Marcelo Rebelo de Sousa agradeceu a Calouste Gulbenkian, “um génio multiforme”, “a decisão de ficar aqui entre nós”, “mesmo para além da sua eventual intenção”. “O seu espírito atravessou fronteiras, mas aqui ficou.”

O Presidente da República confessou que tem “um fascínio sobre a pré-história da fundação”, revelando que tem documentos ainda inéditos – a correspondência trocada pelo embaixador português em Londres, Armindo Monteiro, com o presidente do Conselho de Ministros. “Este livro, contando uma versão diversa da versão tradicionalmente apresentada, o que é enriquecedor, confirma um ponto que para mim era óbvio, que havia duas visões sobre a futura fundação. A visão de Lorde Radcliffe [um dos executores testamentários de Gulbenkian] e a visão do Estado português e de Azeredo Perdigão.”

Essas duas visões diferentes provocaram um debate de ideias “razoavelmente intenso” entre Radcliffe e Azeredo Perdigão, explicou Marcelo. “O debate, em parte jurídico, sobre a maioria [portuguesa] da administração, sobre a aplicação de fundos em Portugal ou sobre a estratégia da fundação, era verdadeiramente um debate de substância, sobre a visão acerca da fundação.”  

Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou que, para se fazer justiça aos factos, é preciso dizer que esse debate se travou essencialmente entre Radcliffe e o Estado português: “É evidente para quem acompanhou documentalmente esta matéria que Salazar seguiu ponto por ponto o debate. É fascinante a génese da fundação do ponto de vista político.” O livro, disse ainda o actual Presidente, culmina com a vitória da linha que assegurou a fundação que conhecemos até hoje: “Olhando para a fundação, o Presidente da República só pode ficar grato por ela ter ficado tão internacional, mas ao mesmo tempo tão portuguesa.”

No final, Marcelo Rebelo de Sousa agradeceu à família Gulbenkian, a Martin Essayan, o bisneto de Calouste, presente na sala e moderador da mesa-redonda que se seguiu, mas também ao seu pai, Mikhael Essayan, terem legitimado essa linha com a sua presença continuada nos trabalhos da fundação: “Não sei se o fizeram com a mesma alegria que nós portugueses, mas estiveram sempre presentes.”

Seguidamente, Martin Essayan deu início ao debate com as contribuições de Edhem Eldem (arménios no império otomano), Joost Jonker (petróleo e investimentos), David Ekserdjian (colecção de arte), José Pedro Castanheira (Salazar e Portugal da década de 50). Foi aí que este último, jornalista do Expresso, lembrou o que Salazar disse ao ministro e embaixador Franco Nogueira: “[A Fundação Gulbenkian] é a coisa mais importante que sucedeu a Portugal nos últimos 50 anos.” Naquele contexto de pós-guerra, quase sem investimento estrangeiro no país, “a fortuna do Sr. Gulbenkian cai do céu”.

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