Renault: sai o "cost killer", entra um defensor do "capitalismo responsável"

Carlos Ghosn apresentou a demissão dos cargos no grupo francês. O sucessor é um executivo "moderado," Jean-Dominique Senard, que presidia à Michelin.

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Senard (à esquerda) e Bolloré (direita), assumem as funções de "chairman" e CEO respectivamente Reuters/PHILIPPE WOJAZER

Em prisão preventiva no Japão há 67 dias, Carlos Ghosn demitiu-se da presidência da Renault, na quarta-feira à noite, véspera de uma reunião do conselho de administração do construtor francês, que cooptou Jean-Dominique Senard, ex-presidente da Michelin, como sucessor do gestor francês de origem brasileira. A Renault aproveita esta transição para fazer mudanças no esquema de gestão, separando os cargos de CEO (presidente executivo), de cariz executivo, e de chairman (presidente do conselho de administração), com responsabilidades mais estratégicas e de supervisão. Thierry Bolloré passa a ser o CEO e Senard assume as funções de chairman.

Jean-Dominique Senard, de 65 anos, chegou a responsável das finanças do fabricante de pneus em 2005. Foi o primeiro executivo sem ligação à família Michelin a chegar a CEO, em 2012. É visto como um gestor "moderado", defensor do "capitalismo responsável" ou "capitalismo pacífico". Em Março de 2018, co-escreveu um documento enviado ao governo francês em que defende que as empresas devem poder adaptar o seu objecto social, de modo a incorporar metas sociais e questões ambientais na missão empresarial, não se ficando só pelo objectivo do lucro. 

O anúncio da demissão de Ghosn foi feito pelo ministro francês da Economia e das Finanças, Bruno Le Maire, e foi confirmada pela administração da Renault, num comunicado publicado no site do grupo. "O conselho de administração tomou conhecimento da nota de renúncia ao mandato do actual presidente executivo e chairman. Aproveitamos para saudar o percurso da aliança que ele preconizou e levou a ser um dos principais fabricantes de automóveis do mundo", lê-se no comunicado da Renault, que alude ao sucesso da parceria que o grupo francês estabeleceu há quase 20 anos, com os nipónicos da Nissan, e que é a maior aliança automóvel do mundo.

O ministro francês sustentou que Senard será "um excelente presidente da Renault". Bruno Le Maire defendeu ainda que, como accionista, o Estado francês é favorável a uma separação das funções de chairman e de CEO.

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O cenário que parecia inevitável há dois meses acaba assim por consumar-se. Bruno Le Maire tinha defendido a saída de Ghosn, conhecido como o "le cost killer" ("o mata custos") logo após a detenção do gestor em Tóquio, a 19 de Novembro. Le Maire considerou então que Ghosn não tinha condições para continuar nos cargos que desempenhava. O Estado francês é o maior accionista (15,01%) do grupo Renault, que por sua vez controla 43% do grupo japonês Nissan.

Após a detenção, por suspeitas de fraude fiscal e abuso de poder na gestão da Nissan, Ghosn foi demitido dos cargos do construtor japonês, mas a Renault optou por mantê-lo formalmente no cargo em nome da “presunção de inocência”. Porém, dado que estava impedido de exercer o mandato, o conselho nomeou então uma equipa de gestão provisória, entregando o poder a Philippe Lagayette, até ali número dois na gestão francesa. A Renault tem uma parceria com a Nissan desde Março de 1999, à qual se juntaria em 2016 a Mitsubishi.

Carlos Ghosn foi formalmente acusado de ter omitido informação sobre as remunerações que auferiu entre 2010 e 2018 às autoridades bolsistas japonesas, defraudando assim o fisco. Arrisca uma pena de 15 anos de prisão, se for condenado. O tribunal rejeitou todos os pedidos de liberdade condicional apresentados pela defesa. O juiz alegou perigo de fuga e de destruição de prova. Além da fraude fiscal, Ghosn – que se afirma inocente – também foi formalmente acusado de abuso de poder, por usar verbas da Nissan para cobrir avultadas perdas financeiras que sofreu com investimentos pessoais. O agora ex-líder da Nissan e da Renault garante que as contas nipónicas não foram prejudicadas com estas operações.

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