Uma frente progressista para reverter o "Brexit"

É necessário que o líder trabalhista britânico se aproxime dos partidos do centro democrático, como a CDU alemã e o En Marche francês, que resistem ao populismo reacionário em questões essenciais como a defesa do multilateralismo e a desconstrução dos ódios nacionalistas.

Apostar nos conservadores britânicos para travar o desastre de uma saída do Reino Unido da União sem acordo, parece estar condenado ao fracasso. A alternativa está numa política progressista, cujo sucesso depende do Partido Trabalhista e do seu líder, Jeremy Corbyn.

O "Brexit" pode ser revertido, mas para isso será necessário um segundo referendo, de resultado incerto. Não se pode ir contra o resultado de um referendo, sem voltar a ouvir os cidadãos. É verdade que um segundo referendo também pode ser visto como uma violação da vontade popular expressa em 2016. Não se podem ir fazendo referendos nos países da União até triunfar a perspetiva das elites liberais. Tem sido citado, a propósito, o caso do segundo referendo dinamarquês para ratificar o tratado de Maastricht. Todavia, este foi considerado legítimo porque a  Dinamarca negociou uma série de opt-outs, incluindo a moeda única e a política de defesa, permitindo aos defensores do Tratado argumentar que as objeções dos cidadãos dinamarqueses tinham sido ouvidas.

No debate sobre o "Brexit" muito pouca atenção tem sido dada às razões mais profundas que levaram os britânicos a votar contra a permanência na União, mormente pelos europeístas que preferem salientar a campanha de mentiras e o alarmismo racista dos defensores do "Brexit", nomeadamente do líder da extrema-direita xenófoba britânica, Nigel Farage, e de conservadores populistas, como Boris Johnson.

Para garantir um segundo referendo e para que possa vencer a permanência do Reino Unido no projeto Europeu, é preciso compreender que não foram só as mentiras que levaram à ruptura. Hoje, apesar da evidência de que as promessas mirabolantes dos defensores do "Brexit" não passavam de embustes, continua a haver cerca de 46% dos britânicos favoráveis à saída (percentagem semelhante aos resultados das sondagens anteriores ao referendo de 2016).

Muitos votaram contra a permanência porque consideraram que a União não era suficientemente democrática, que estava muito atenta aos interesses de uma minoria de privilegiados, preterindo os interesses da maioria dos cidadãos. Muitos votaram contra porque "solidariedade" foi desaparecendo do vocabulário da União e o egoísmo ganhou o papel de protagonista. Não podemos ignorar que a crise devastadora de 2008 e a falta de respostas adequadas tiveram um enorme impacto no Reino Unido. Estas são também as razões que têm favorecido o crescimento do nacionalismo e do populismo, não só no Reino Unido, como pela Europa fora.

Igualmente importante lembrar o contexto do referendo do "Brexit", um ano depois de a União Europeia ter imposto a política de austeridade à Grécia, recusando os resultados do referendo de 2015 que aprovara o programa alternativo do governo de Tspiras - o que terá pesado certamente no voto de muitos eleitores trabalhistas.

É preciso mostrar que já é possível, na União Europeia, uma política de alternativa à austeridade neo-liberal. No Partido Trabalhista britânico é crescente o número de vozes que defende, dando o exemplo de Portugal, a possibilidade de escapar à austeridade. Escrevendo no The Guardian, Hilary Wainwright, pede a Jeremy Corbyn que construa, com outros líderes socialistas europeus, como António Costa e Pedro Sánchez, uma frente progressista europeia para reformar a União. Esta proposta inspira-se no Manifesto de Ventotene, de Spinelli e de outros resistentes, publicado em 1941, em plena II Guerra Mundial, que apelava à construção de uma Europa Unida e livre, de uma Europa que retomasse finda a guerra o “combate contra as desigualdades sociais”. Algo de semelhante hoje seria essencial para derrotar o nacionalismo populista. O enfraquecimento e quase desaparecimento da alternativa que representavam os partidos social-democratas em vários países europeus, explica, em larga medida, os sucessos da extrema-direita em conquistar uma parte da classe média.

Tal frente progressista, no atual quadro político europeu, perante o enorme enfraquecimento do campo socialista e social-democrata em França e na Alemanha, precisa de incluir os partidos do centro progressista, para ter sucesso. É necessário que o líder trabalhista britânico se aproxime dos partidos do centro democrático, como a CDU alemã e o En Marche francês, que resistem ao populismo reacionário em questões essenciais como a defesa do multilateralismo e a desconstrução dos ódios nacionalistas, como se viu ainda recentemente com o novo Tratado Franco-Alemão de Aix-la-Chapelle.

Muitos têm tentado convencer Corbyn de que, dado o peso da Grã-Bretanha e do seu partido na União Europeia, estaria em condições de liderar um renascimento europeu. Um primeiro passo foi dado por Corbyn ao aceitar a hipótese de um segundo referendo se as suas propostas para um soft "Brexit" não fossem aceites. Perante o fracasso do plano de Theresa May, líder de um partido cada vez mais dominado pela direita-quase-extrema que quer impor o hard "Brexit", o Partido Trabalhista é a melhor esperança para a Grã Bretanha. Pode sê-lo também para a Europa, se o líder daquele partido souber ouvir a nova geração de militantes, que não se revêm nos sectores eurocéticos do Labour, nem na terceira via de Tony Blair, nova geração que quer uma Europa menos dependente da vontade dos mercados, mais hospitaleira para os que nela ainda procuram um futuro e mais ecológica.

As eleições europeias de maio serão travadas à volta destas grandes questões. Era bom ter na campanha os candidatos britânicos de um Partido Trabalhista reconciliado com os ideais de socialistas europeus, como Altiero Spinelli, François Mitterrand ou Mário Soares. Seria um grande trunfo para a derrota da extrema-direita. O pior ainda pode ser evitado.

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