Por uma nova Lei de Bases que clarifique o que se pretende do SNS

Uma nova lei para defender mais transparência, prestação de contas com regras claras entre o SNS e os sectores privado e social, com um reforço qualitativo das parceiras público-público.

Por uma nova Lei de Bases que clarifique o que se pretende do SNS

A Marca USF já demonstrou qual o caminho a seguir – Reforçar o SNS

Começo por tentar esclarecer que nesta discussão, o objetivo é termos uma nova Lei de Bases que clarifique o que se pretende do Serviço Nacional de Saúde (SNS) público. Ou seja, o que está principalmente em causa nesta discussão, sejamos objetivos, são as diferentes visões ideológicas do que deve ser a relação entre os sectores público e privado. Não é a questão do subfinanciamento do SNS. Essa estamos todos de acordo. Todos defendemos que o orçamento para a Saúde dos Portugueses, exige mais dinheiro. Uns, querem mais dinheiro para transferir para os privados. Outros, no quais me incluo, querem mais dinheiro para renovar e qualificar o SNS.

Recordo, que a opção do PSD/CDS, também ela ideológico, foi em 1990 com maioria absoluta no Parlamento, aprovar com votos contra de toda a esquerda, incluindo do PS, a Lei n.º48/90 ainda em vigor que veio liberalizar o “mercado da saúde”, consagrando o conceito de concorrência entre o SNS e os grupos privados e atribuindo ao Ministério da Saúde a responsabilidade de apoiar a iniciativa privada.

Recordemos os resultados dessa opção ideológica. Entre 2010 e 2015, (INE) a despesa nos hospitais públicos diminuiu 268 milhões de euros; no mesmo período o Estado pagou aos hospitais privados mais 162 milhões de euros.

Relativamente a áreas em que os serviços públicos estão ou deviam estar equipados e não ter que pagar a privados, o Estado em 2016 pagou, 143 milhões de euros em análises clínicas. Em Radiologia, pagou-se 88 milhões de euros, em Medicina Física e Reabilitação 68, em endoscopias 36 milhões de euros e em hemodiálise 257 milhões de euros. 

No total o Estado, transferiu em 2016 em pagamentos externos, só de meios auxiliares de diagnóstico 364 milhões de euros.

Mas, há mais. Só os dois maiores grupos privados de saúde valeram no ano passado, em conjunto, 1,1 mil milhões de euros em proveitos. 

Segundo o JN de 06/12/2018, “os negócios em Portugal de compra e venda no setor privado da saúde atingiram um valor aproximado de seis mil milhões de euros entre 2005 e 2018”.

Este alargamento da agenda privatizadora, incluindo as Parcerias-Público-Privadas (PPP), cumprindo o enquadramento da atual Lei de Bases da Saúde, desenvolve-se num momento de grande fragilidade do SNS com carreiras profissionais não atrativas, salários baixos com número elevado de horas extraordinárias, multiemprego e consequente fuga de profissionais para o privado, desinvestimento na manutenção e reequipamento dos Centros de Saúde e Hospitais com ausência de reforma da administração em Saúde, alimentando-se o modelo vertical tradicional de comando-e-controlo do centro para a periferia. Mais, a única reforma desta década no SNS, a criação e desenvolvimento das Unidades de Saúde Familiar (USF), tem sido coartadas, tentando o seu “isolamento”.

Perante este quadro, temos de “fundo” duas alternativas:

1. Não fazer nada. Manter o que temos. Em que se pede mais dinheiro ao OE para a Saúde e se permite que o SNS seja drenado para o sector privado, caminhando progressivamente para um serviço residual abrindo as portas a um sistema de seguros-saúde, co-pagamento e generalização das PPP e da convenção.

2. Reformar o SNS, começando por aprovar uma nova Lei de Bases que garanta o Direito à saúde para todos, de gestão integralmente pública, que se articule com as iniciativas privadas e sociais em termos de complementaridade e não de concorrência em que os profissionais pautam a sua actuação por regras de transparência e de prevenção de conflitos de interesses, onde se privilegia a estabilidade na carreira pública, maioritariamente em regime de dedicação plena, dignificando-se as carreiras profissionais e melhorando a remuneração, assim como, uma cultura de gestão pública orientada para resultados em saúde com base em objectivos previamente negociados, assente numa gestão participativa e responsável com a generalização dos Centros de Responsabilidade (Hospital) e do modelo USF (Centro de Saúde), e o devido reforço da Saúde Pública a nível do diagnóstico da situação e planeamento, elaboração dos planos locais de saúde e no processo de contratualização e monitorização.

Em resumo: uma nova Lei, sim. Para acabar com a promiscuidade do financiamento e dos interesses instalados nas diversas profissões. Uma nova lei para defender mais transparência, prestação de contas com regras claras entre o SNS e os sectores privado e social, com um reforço qualitativo das parceiras público-público.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção
Ler 1 comentários