APAV pede coordenação para tornar mais eficaz o combate à violência doméstica

João Lázaro destaca três áreas em que o sistema tem que melhorar: articulação, formação e financiamento.

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Homenagem a mulheres vítimas de femicídio PAULO PIMENTA

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) realçou esta segunda-feira a parte positiva do relatório europeu que reconhece a Portugal "progressos significativos" na área da violência contra as mulheres, mas sublinha que ainda é preciso tornar o sistema mais eficaz e coerente.

João Lázaro, presidente da APAV, destaca ao PÚBLICO três áreas principais em que o país tem que melhorar para que o apoio às vítimas seja mais coerente, célere e eficaz: a articulação entre as entidades públicas, a formação de profissionais das diferentes áreas "para o saber fazer" e o apoio às organizações que, no terreno, oferecem serviços especializados para vítimas.

A propósito do primeiro relatório de avaliação realizado em Portugal pelo Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (GREVIO, na sigla em inglês), após a ratificação em 2013 da Convenção de Istambul, João Lázaro saúda o quadro legislativo robusto que Portugal construiu na última década. Chama a atenção, contudo, para a forma irregular como a lei é aplicada no território, havendo áreas em que as boas práticas tardam a ser adoptadas. O grande desafio, afirma, é colocar em prática as recomendações dos autores do relatório, tornando "eficaz e coerente todo o sistema".

Em declarações à Lusa, o presidente da APAV destacou a parte positiva deste documento, sublinhando que o país tem vindo a fazer "na última década grandes desenvolvimentos no que diz respeito ao combate à violência doméstica e no apoio às suas vítimas". João Lázaro recorda que muitas das medidas sugeridas pelos autores do relatório são propostas de melhoria contínua no sistema que "têm sido apontadas pela APAV e por muitas outras organizações da sociedade civil".

O relatório conclui que Portugal fez progressos significativos contra a violência contra as mulheres e que "até é pioneiro em certas áreas", mas verifica uma baixa taxa de condenações e necessita de uma "coordenação mais robusta" entre as agências governamentais.

Quanto às restantes medidas sugeridas, João Lázaro destaca a formação de magistrados, "não apenas na formação inicial relativamente a quem está começar a carreira, mas ao longo da vida útil de magistrado". "As decisões que têm vindo a público no último ano revelam também muitas vezes o prejuízo de uma visão não consentânea com uma interpretação muitas vezes até relativamente à Constituição do que deve ser a garantia dos direitos das vítimas de crime e na violação dos seus direitos como violação de direitos humanos", afirmou João Lázaro.

O responsável da APAV sublinhou que é necessário melhor articulação entre as diversas jurisdições na área da Justiça — criminal e família —, sublinhando que esta tarefa "cabe inteiramente ao Estado".

"O Estado tem vindo a fazer, e bem, o papel de tentar uma coordenação dos procedimentos da sociedade civil, mas claramente o grande desafio é poder coordenar-se a si próprio e articular-se nos seus próprios subsectores de actividade para que possa dar o exemplo", afirmou.

Como exemplo do trabalho que o Estado tem feito para tentar corrigir o que está mal, João Lázaro aponta o trabalho que tem sido feito pela Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica (EARHVD): "É um sinal de maturidade do próprio Estado, olhar para o que correu mal e pode melhorar". 

A avaliação tornada pública é da responsabilidade do GREVIO, órgão especializado e independente previsto na Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica que tem a missão de monitorizar a aplicação do texto por parte dos Estados signatários.

"O GREVIO reconhece o compromisso significativo das autoridades portuguesas e os progressos alcançados", indica o relatório, que recomenda, ao longo de cerca de 80 páginas, medidas para melhorar a protecção das vítimas, os procedimentos judiciais contra os agressores e a área da prevenção.

Os últimos dados conhecidos, relativos a 2018 e apresentados em meados de Novembro passado pelo Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR, davam conta de 24 mulheres assassinadas por familiares ou companheiros em Portugal, mais seis do que em 2017.

A este respeito, "o relatório reconhece o progresso alcançado na construção de uma moldura legislativa sólida para abordar a violência contra as mulheres, mas (...) uma área de particular preocupação é a definição de violação, que não se baseia apenas na ausência do livre consentimento e exige o recurso ao 'constrangimento'", refere o texto.

Outro foco de preocupação do órgão independente é "o uso generalizado de processos suspensos e a falta generalizada de ênfase na obtenção de condenações em casos de violência contra as mulheres".

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